23.6.05

DESBORDAMENTO

Por tanta vida que transporto no meu sangue
vacilo
no vasto Inverno.

E de repente,
como por uma fonte que se solta
na estepe,
uma ferida que no sonho
se reabre,

nascem pensamentos
no desértico castelo da noite.

Criatura de fábulas, pelas mudas
habitações onde se consomem as lâmpadas
esquecidas,
transcorre leve uma palavra branca:
voam pombas desde a açoteia
como numa paisagem marítima.

Bondade, regressas a mim:

desfaz-se o Inverno no desbordamento
do meu sangue mais puro,
o pranto ainda pode ser docemente nomeado perdão.


12 de Janeiro de 1935

Tradução possível de HMBF.


Antonia Pozzi nasceu em Milão em 1912 e suicidou-se aos vinte e seis anos de idade, no ano de 1938. Licenciada em Letras com uma tese sobre Flaubert, a sua poesia apenas foi tornada pública postumamente. Parole, editado pela primeira vez em 1939, tem sido alvo de inúmeras reedições. Começou a escrever poesia muito cedo, interessando-se por literatura e filosofia. A sua poesia, de ritmo diário, é marcada por uma forte intimidade e pelo desassossego emocional. É importante referir que apenas em 2001 os seus poemas foram editados tal como Antonia os havia escrito, já que nas primeiras edições de Parole sofreram algumas transformações operadas pelo seu pai. De temperamento frágil e muito sensível, Antonia Pozzi suicidou-se quando a guerra assolava toda a Europa.