12.6.05

OS SONHOS DE UM CONDENADO À MORTE

Põe-me feliz todo o sonhar –
- O devaneio pelo encanto
De ler romances e findar
Só numa hora até nem tanto…

Fazer um mundo recriado,
Meu – em que tudo poderei –
Sem ter que querer o destinado
A património de algum rei.

Sem o futuro me aparecer
Como cuidado a repensar,
Só, me retiro no prazer
De, quando muito, recordar

- Quimera! – os tempos de menino
Facto mais forte que o ser velho:
É isso coisa que eu domino,
Porque envelheço sós e quero.

Palácios faço desmedidos
E neles belezas por achar.
No chão dos prados estendida
Liza, ao meu lado vejo estar.

O seio cobre-o claro véu
Que não me cobre de pensar
Que o mal está em ser só eu
Quando um tal sonho me findar.

Na minha antiga azul mansão
Feito marido e pai revelho
‘Inda mãe boa me dá a mão
Saltam-me netos nos joelhos,

E às sombras de árvores copadas
Sonho com ler e escrever.
Porquê – ah! – um som de trovoada
Pode um tal sonho suspender?...

Tradução de Aníbal Fernandes (?).

PFL

Pierre-François Lacenaire nasceu em 1800 em França. Estudou no liceu de Lyon e no seminário de Alés, que foi obrigado a abandonar devido a mau comportamento. Começou, muito novo, a cometer pequenos delitos. Apesar da sua reconhecida inteligência, nunca levou a cabo quaisquer estudos de monta. De temperamento difícil, debochado e indelicado, refugiou-se em Paris no ano de 1825. Tentou, com insucesso, publicar as suas poesias. Alistou-se no exército em 1828, vindo a desertar um ano depois. Diz-se que fundou uma associação de malfeitores, dedicando-se ao crime. Bréton descreveu-o assim: «desertor e falsário na França, assassino na Itália, mais tarde ladrão e matador em Paris, e sempre – como ele afirma – a meditar projectos sinistros contra a Sociedade.» Dedicou-se à redacção das suas Memórias, Revelações e Poesias, gozando tudo e todos, nos poucos meses que entremearam a sua última condenação (12 de Novembro de 1835) e a respectiva execução (9 Janeiro de 1836).