13.8.05

Fragmento # 4 – Janela aberta

Nunca sei o que fazer com as mãos quando estou ao pé de ti, tenho de fumar um cigarro, tenho de manter as mãos ocupadas. É claro que acalmava se colocasse as minhas mãos sobre ti, sabes que sou artista, trabalho com as mãos. Perguntaste-me sobre as árvores que estou a pintar. Falei que quero colocar uma hipérbole no céu desta árvore. Como está num ponto muito alto, o céu tem de ser enorme, a percentagem de terra nesta representação é muito mais pequena que o céu. O céu é o que caracteriza a paisagem alentejana. Respondeste-me que essa é a visão do mundo quando somos pequenos. E que assim a árvore não é o tema central da pintura, como na outra que fiz. Expliquei-te que a outra árvore era uma sobreira centenária, classificada, o que a caracterizava era a copa monumental. Perguntaste-me o que é uma sobreira. É um sobreiro virgem, porque os homens nunca lhe retiraram a cortiça, é uma força da natureza selvagem. A árvore que estou agora a pintar é uma azinheira centenária, conhecida por azinheira das bruxas. Ela não tem sombra. Tem cerca de 300 anos, é baixa, assimétrica, tem o tronco inclinado, uma copa larguíssima. O seu tronco é negro, é assustadora, tenho medo dela, por isso vou pintar um céu enorme, numa espécie de esconjuro. Perguntaste-me onde vai ficar e não sei. Sei que a sobreira que pintei está em casa do dono, ele queria colocá-la no hall de entrada, mas mudou de ideias. A sobreira está pendurada na parede da sala, um local com muito mais luz natural e o dono dorme a sesta no cadeirão em frente. Decidiu assim, é o melhor local, depois do almoço costuma ficar cerca de meia hora em frente dela, adormece e acorda a olhar para a minha pintura. A pintura é uma janela aberta para a natureza, neste caso.
Maria João