31.8.05

Fragmentos # 12 – Para sempre

Fui num fim de tarde ao teu mar, o sol mergulhou e apagou-se. A tua mão continua em casa na minha, eu estou aqui a escrever como me pediste. A escrita é a sombra da minha mão que segue os nossos passos nas ruas estreitas da cidade. O teu corpo depois do fogo fundiu-se no mar onde te disse adeus. Agora, os nossos passos encontram-se apenas nos sonhos, onde a água corre na água que corre. A escrita é a sombra dos meus pés deixando rastros. Sem os teus passos os meus passos são apenas metáforas ou palavras que caem das minhas mãos. As pedras molhadas na calçada da noite. Todas as línguas se constróem com metáforas mortas e eu tenho de continuar com os meus pés aqui. Os pés no chão é uma bela metáfora como me mostraste e deste-me a tua mão. És a sombra das minhas mãos, sombra que toco com a ponta dos dedos escrevendo na noite. Talvez te faça sorrir agora que escrevo com a mão que foi casa na tua aqui. Quando pintaste de negro as paredes da biblioteca num ritual de iniciação à filosofia, saí do teu mundo escuro. Despejaste as latas de tinta negra numa metáfora sombria e eu continuei com os pés aqui, mas a tua mão está em casa na minha escrevendo. A escrita invadiu as paredes da minha casa, escrevo, já não aguento pensar, entendo agora o negro nas tuas paredes. As minhas são amarelas como as páginas dos livros antigos, a patine do tempo percorre-as enquanto vou caminhando. Agora sigo o som da água com a minha mão molhando palavras de pedra no chão onde piso. Escrevo como me pediste, até nos encontrarmos no cais de outro mar ou à beira-mar. Tu partiste, meu amor, só agora entendo porque te anunciaste o coração, antes de mergulhares na noite, para sempre.
Maria João

3 Comments:

At 11:45 da manhã, Anonymous Anónimo said...

O dia amanheceu suavemente, os barulhos matinais invadiram o quarto, violando o espaço privado do seu sono. Acordar nos braços dela era algo lânguido e suave, como uma doçura lenta, como o embalo do mar. Perdia-se no seu tronco, aninhando-se em mil e umas posições possíveis, beijando as suas costas desnudas, acariciando os seus cabelos como se procurasse atrasar o impossível avanço do tempo naquele ritual.
O sol calcinava as fachadas dos prédios degradados à frente do seu quarto, inundando de luz as suas varandas, revelando parte da vida contida neles, pedaços de vida privada, vidas alheias. Podia ver um pequeno quarto, uma cama de casal desfeita. Noutra varanda uma idosa mirava a rua complacentemente.
Sentia um estranho prazer em observar as casas das outras pessoas tentando imaginar, ou mesmo recriar as suas existências. Provocava-lhe uma espécie de conforto decidir que tipo de vida essas estranhas pessoas levavam, os seus gostos, os seus interesses, as suas relações, talvez lhe provocasse uma estranha sensação de pertença.
Os pombos passavam de um lado para o outro na sua varanda executando a dança do acasalamento. Agora podia-se ouvir o som mais forte do trânsito a passar, aqui e ali o barulho de uma sirene ou de uma buzina, era hora de preparar o café...

 
At 4:31 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Olá Lodestar,
Andas inspirado, texto bonito.
Maria João

 
At 7:46 da tarde, Blogger marcia mesquita said...

um mais belo que o outro

 

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