16.8.05

ITINERÁRIO SOBRE O JOELHO

Nascer
vir a este mundo
é acordar legível do sono eterno.
Maravilhoso (e é) que seja acordar
traz mistura pessoal:
preferia não ter nascido.
Fazemos parte de animal perpétuo
que exige o nosso serviço dele.
Mas um é passageiro
tem que inventar optimismo e graça
e permanecer acordado o animal perpétuo.
Nascemos órgão e seremos, afinal, o todo do organismo.
Personalidade não é senão o ímpeto para nos deixarmos de nascidos intactos
é condição primeira do ser vivo eterno que somos.
Nasce segunda vez o que morre a morte primeira.
Nasce-se segunda vez o ser vivo eterno que somos.
Iremos por onde não há adesão possível à segunda vida
porta do eterno.
Depois é o silêncio que fala
a paz que nos esperava.
JOSÉ DE ALMADA NEGREIROS [São Tomé, 1893 - Lisboa, 1970]
José de Almada Negreiros nasce em 7 de Abril de 1893 na Fazenda Saudade, em São Tomé. É uma personalidade que se afirma, desde o princípio deste século, em vários campos da arte e da literatura. Na definição de Carlos Queirós, ele é «desenhador, conferencista, bailarino, novelista, crítico-panfletário, pintor e poeta. Em tudo, e sobretudo, poeta. Ele próprio, humanamente, poeta». A posse dessas vocações múltiplas leva-o a Paris, na mesma década em que Sá-Carneiro aí se exíla, e, mais tarde, a Madrid, onde trabalha como artista plástico entre 1927 e 1932. Em 1934 casa, em Lisboa, com a pintora Sarah Afonso. Em 1911 revela-se ao público através da 1ª Exposição do Grupo dos Humoristas Portugueses, que integra. Dois anos mais tarde, uma exposição de caricaturas é o lugar onde conhece Pessoa, de quem se faz amigo. Torna-se uma das figuras salientes no nosso primeiro modernismo, cujas expressões mais conhecidas se reúnem em torno das revistas Orpheu (1915) e Portugal Futurista (1917). Mais tarde, funda e dirige Sudoeste (1935), cujo título alude à necessidade do seu posicionamento europeu. Entretanto, além de artigos dispersos em outras revistas ou jornais, publicara já a novela A Engomadeira (1917), a colectânea de poemas em prosa A Invenção do Dia Claro (1921) e a peça de teatro Pierrot e Arlequim (1924). O romance Nome de Guerra, sua obra literária de maior fôlego e, simultaneamente, o seu texto mais conhecido, é publicado em 1938, treze anos depois de escrito, e conta já algumas reedições. De salientar, ainda, que A Cena do Ódio, conhecida desde 1915 (esteve impressa para integrar o terceiro número de Orpheu, que nunca chegou a sair), só seria publicada em 1958, por Jorge de Sena, na antologia Líricas Portuguesas - 3ª. Série. A sua posição de maldito consentido, aliada à produtividade artística, joga também com o seu carácter espontâneo e assumidamente ingénuo, como deixa entrever em passagens como: «a vida engelhava-se-lhe nos pensamentos e ele não sabia doutra reacção mais imediata que a de se acariciar mentalmente. Prometia-se um futuro risonho como chocolates para que não chore um petiz» (Nome de Guerra). (respigado aqui)