30.8.05

MORTE

A Isidoro de Blas

Que esforço!
Que esforço do cavalo
para ser cão!
Que esforço do cão para ser andorinha!
Que esforço da abelha para ser cavalo!
E o cavalo,
que flecha aguda ele exprime da rosa!
que rosa parda levanta do seu beiço!
E a rosa,
que rebanho de luzes e alaridos
ata no vivo açúcar do seu tronco!
E o açúcar,
que pequenos punhais sonha em sua vigília!
E os punhais diminutos,
que lua sem estábulos, que corpos nus,
pele eterna e rubor, andam a procurar!
E eu, pelos beirais,
que serafim de chamas busco e sou!
Mas o arco de gesso,
que grande, que invisível, que diminuto!
sem esforço.

Federico García Lorca (España, 1898-1936)
Federico García Lorca nasceu em 5 de Junho de 1898, em Fuente Vaqueros, aldeia próxima de Granada. Depois dos estudos primários feitos na aldeia, em 1908 o poeta iniciou os secundários em Almeria, durante um ano, e prosseguiu-os em Granada, até à conclusão, em 1915. Estudou música e piano, vindo a desistir desses estudos por o pai não lhe permitir que os continuasse em Paris. Na Universidade de Granada estudou Direito, cujo curso concluiu em 1923, nunca tendo exercido qualquer actividade relacionada com ele. Em 1918 publicou Impresiones y paisajes, prosas em que evoca principalmente as localidades que conhecera em excursões escolares. Na Primavera de 1919, Garcia Lorca foi para Madrid, indo morar na Residência de Estudiantes, onde esteve até 1928. Publicou vários livros e deixou outros para publicação, escreveu e levou à cena peças de teatro, fez várias viagens para pronunciar conferências e promover a representação do seu teatro. Foi também conhecendo os que seriam seus companheiros no chamado grupo poético de 1927, influenciados pelos movimentos vanguardistas europeus, começando pelo futurismo e o dadísmo, e evoluindo para a prática de um surrealismo que nunca foi escrita automática, mas um irracionalismo intenso. Em Junho de 1929, Garcia Lorca foi a Nova Iorque, onde permaneceu até ao começo de Março de 1930. O gigantismo e crueldade da urbe, os aspectos mecânicos do quotidiano, o jazz que ouviu, exerceram sobre o poeta um violento impacto, sob o qual escreveu os poemas de Poeta en Nueva York. Depois de ter estado em Cuba de Março a Junho de 1930, Garcia Lorca regressou a Espanha. Em 13 de Julho de 1936 o poeta foi de Madrid para Granada, para fugir ao ambiente de agitação que aí se vivia. O poeta já fora procurado em sua casa pelas autoridades nacionalistas que impunham o terror em Granada. Federico foi preso pelos franquistas na tarde de 16 de Agosto e fuzilado na madrugada de 18 seguinte, num campo dos arredores de Granada. O seu corpo nunca foi encontrado. (do prólogo de José Bento à Antologia Poética de Lorca publicada pela Relógio D'Água)