10.12.05

Na Companhia do Mil Folhas

No Mil Folhas desta semana, página 3, uma nota com direito a fotografia sobre a Oficina do poema que será dirigida pelo respeitável crítico literário e poeta Pedro Sena-Lino. Lembramos que o mesmo Pedro Sena-Lino vem exercendo trabalho crítico no supracitado suplemento, o que aliás pode ser constatado no presente número com uma entrevista a Mário Cláudio e uma recensão a Os Sonetos Italianos de Tiago Veiga. Já me encarreguei de fazer notar que nada me move contra este tipo de negócio (a palavra não é exagerada, pois os 145€ que é preciso desembolsar para aprender a escrever poemas com Pedro Sena-Lino não deixam margem para dúvidas). Mas resumo: se houver alguém que queira pagar para aprender a escrever poemas, então faz todo o sentido que o negócio exista. Sou pelas liberdades individuais, desde que não prejudiquem terceiros. E para mais, há por aí tanto desemprego e tanta gente desesperada sem nada que fazer que todas as ideias que combatam o flagelo são bem vindas. É certo que não me revejo minimamente neste tipo de mercantilismo do poético, mas, sobretudo pela liberdade de cada um, estou-me nas tintas se houver quem se reveja (confesso que em tempos pensei em abrir uma loja de poemas a metro; por desaconselho familiar, virei-me para a poesia no Metro). O anedótico da situação está, quanto a mim, na publicidade que a iniciativa merece no suplemento para o qual o crítico literário e poeta contribui com o seu labor. Não haverá outras iniciativas a merecerem tal destaque? Merece esta iniciativa o destaque que lhe é dado? Mas, já agora, (re)acrescento: será possível ensinar a escrever poemas? Quem determina o que possa haver a alterar num poema? A técnica? O autor? Um professor de poesia? Quem está habilitado a ensinar poesia?

11 Comments:

At 2:34 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Eu acho que o Curso seria óptimo se se chamasse:
PORQUE NÃO DEVE TENTAR ESCREVER POEMAS:

E as alternativas seriam desde logo anunciadas:

Faça antes psicanálise.
Aprenda a dar umas quecas de jeito.
Aprenda antes Culinária.
Inscreva-se numa Associação Gay.
Assuma-se lésbica radical.
Fume antes uns charros.
Apanhe uma piela semanal.
Faça 2 ou 3 filhos e trate deles.
Comre um vibrador com 3 velocidades.
Toque bateria numa banda de garagem.
Ponha um peircing no prepúcio ou nos grandes lábios.
Faça a viagem: Pólo Norte -Equador-pólo Sul.

Se no fim destas experiências, ainda quiser tentar, poderá ter acesso ao 2.º grau do Curso.

interrogação

 
At 2:45 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Note-se que com as "alternativas" só se pretende evitar a má poesia, que sairá dessas bizarras tentativas de ensinança.

interrogação

 
At 4:22 da tarde, Anonymous Anónimo said...

E pa gostei bastante desta interrogacao.
Boa!
nelson

 
At 9:31 da tarde, Blogger MJLF said...

Henrique:
Como sabes dou aulas de iniciação à pintura na companhia do eu e todos os dias me pregunto: será possível ensinar a pintar um quadro? Quem determina o que se deve alterar numa pintura? A técnica? O autor? Um professor de pintura? Quem está habilitado a ensinar pintura? Conheço bem o Pedro Sena-Lino e sei que ele também coloca estas questões em relação à poesia. O ensino artistico tem estas questões de base que são muito pretinentes e as pessoas que são sérias em relação a esta actividade, digo sérias no sentido de serem bem intencionadas, e não por falta de sentido de humor, quando fazem alguma coisa, colocam estas questões. O Pedro sabe prefeitamente que é impossivel ensinar a escrever poesia, como eu sei que é impossivel ensinar a pintar. Porque existe um problema de base com o qual um professor nas areas artisticas se depara: cada aluno é um mundo, uma ilha, tem uma sensibilidade individual que é só sua. Agora, na procura do desenvolvimento da expressão individual é muito bom ter introlocutores para a desenvolver ( pode ser um professor, um colega, um amigo, falo por experiencia própria, tenho aprendido muito através de dialogos com outras pessoas). Assim, acho que não é posivel ensinar a escrever poesia ou pintura, mas é possivel reescrever um poema, desenvolver as capacidades de compor pictóricamente, tendo um professor com experiencia na area, que nos ajuda a alargar os conhecimentos tecnicos e não só, pode orientar, dar pistas, introduzir autores que não conhecemos. Existem aspectos práticos que são possíveis de ensinar, como metodos de trabalho,por exemplo, porque a criação não é ter dons divinos que nos caem do ceu, é também trabalho prático, pintar, corrigir, escrever, reescrever, com as consequencias que isso tem. Penso que o ensino artistico é algo que deve ser feito de tentativas e erros e resultados, tanto por parte dos alunos como professores. E os resultados não são sempre bons de imediato para ambos, é preciso paciencia. É necessário transmitir ao aluno paixão pela actividade artistica, sobretudo isso, ensinar o que se conhece com paixão de modo a estimular quem está a aprender. Tu como professor deves sentir como por vezes as tuas palavras ou actos tem um bom efeito nos alunos: isso não se passa todos os dias, mas por vezes vale a pena. Também te deves recordar de alguns professores que te transmitiram conhecimentos com paixão - devem ter sido poucos, normalmente, são poucos os que retemos na memória, os professores que nos deram alguma coisa. Acho que não é possível ensinar pintura, mas acho que é possível encaminhar a sensibilidade individual de um aluno, que tem curiosidade, no bom sentido, estimulando-o a procurar outros modos de expressar, experimentando metodos e processos de trabalho diferentes, desenvolvendo tecnicas,mostrando-lhe o trabalho de outros pintores, de modo a que a sua sensibilidade se alargue. Isto não é tudo, ninguém é prefeito, mas é alguma coisa. E fico muito contente quando vejo alunos a sairem das minhas aulas bem dispostos, contentes com os resultados da prática que tiveram na aula. Não acontece todos os dias, mas quando acontece fico muito contente.

 
At 11:36 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Maria João

Como dizes, sei bem que dás (vendes, como eu costumo dizer) aulas/formação na Companhia do EU. Por isso mesmo, mais à vontade me senti para postar estas minhas dúvidas. Aliás, devo também deixar claro que apesar de não conhecer pessoalmente o Pedro Sena-Lino o tenho em muito boa conta. Isto não tem nada que ver com pessoas nem com companhias. O post é principalmente sobre a visibilidade dada por um suplemento literário a uma actividade de uma pessoa que trabalha para esse mesmo suplemento. Há qualquer coisa nisto de promíscuo que não pode passar em branco, até porque outras iniciativas do género haverá que não merecem tais atenções. Não me choca que isso aconteça, mas chateia-me que para uns as portas se abram com a facilidade que para outros jamais se abrirão. Não duvido que ao Mil Folhas vão chegando notícias de outras iniciativas (provavelmente algumas até sem o carácter mercantilista da iniciativa em causa) que não merecem a visibilidade que foi dada a essa iniciativa em causa. Quanto ao ensino das artes e da poesia, penso que já aqui ficou claro noutros posts a minha opinião sobre o assunto (basta dar uma vista de olhos aqui: http://antologiadoesquecimento.blogspot.com/2005/11/o-meu-cinzeiro-azul-18.html). No entanto, porque como dizes sou pessoa de levar essas coisas a sério, não gosto de ver a poesia misturada com o mercantilismo da sociedade de consumo (é defeito meu, procuro ser coerente com os meus defeitos). Jamais seria capaz de ganhar um tostão que fosse à custa da poesia, quanto mais de pretender ensinar a escrever poemas! (Julgo que saibas que isto não é conversa fiada, é princípio básico de sobrevivência). Mas acrescento: se houver quem pague pelo serviço, o serviço faz todo o sentido. O que não deve deixar de servir para colocar esta questão: quem está apto a administrar o serviço? Numa sociedade capitalista, a resposta parece-me óbvia: o mercado é aberto, estamos todos aptos, desde que haja clientela. Sendo assim: se o cliente não ficar satisfeito, terá sempre a oportunidade de ir pregar para outra freguesia. Temo que possam parecer irónicas as minhas palavras, mas não são. Peço-te que as entendas como fruto da mais sincera reflexão sobre o assunto. Para concluir direi apenas que: não duvido que haja matéria a aprender quanto a escrever poesia (até dou um exemplo: aqui há uns anos frequentei uma coisa chamada Curso Breve de Poesia Portuguesa do Século XX, cujo monitor era o meu conterrâneo José Ricardo Nunes, que conheci pessoalmente e cujos livros vou lendo com atenção e desigual agrado; resumindo: aprendi muito, sobretudo como não se deve falar de poesia... o problema não era do José Ricardo, claramente talhado para outras matérias, era mesmo do clima da sala; mas aprendi mais: aprendi que se queremos dar utilidade pedagógica à poesia devemos começar por torná-la o mais anti-pedagógica possível - indisciplinar almas. como dizia o outro). Em suma, que o post já vai longo, eu julgo que não é possível ensinar a escrever poemas, assim como julgo, ao contrário de ti, que não devemos (o verbo dever aqui é só para simplificar) arrogar-nos em encaminhadores de sensibilidade. Mas sempre podemos provocar essa sensibilidade, chamá-la aos seus limites, esticar a corda... por exemplo, lendo em conjunto, lendo muita e diversificada poesia.

 
At 1:48 da tarde, Blogger MJLF said...

Provocar, esticar a corda, chamar a sensibilidade aos limites é uma forma de encaminhamento, apesar de teres achado o termo arrogante. Quanto ao aspecto mercantil destas actividades, infelizmente, não rende muito, dá imenso trabalho e gozo a fazer, mas grande parte do trabalho é por amor à camisola, mal dá para cobrir as despesas. Existe uma ideia generalisada na nossa cultura que o trabalho artistico é um don divino por isso não deve ser renumerado, é muito triste e dificil combater essa mentalidade. Sou da opinião que o Estado deveria fornecer a todos uma educação com qualidade, no qual estaria incluido o ensino artistico como uma componente importante na formação dos cidadãos, também acho que deveria facilitar o acesso à cultura; deveria também ter um sistema de saúde e segurança social como deve de ser - estou a pensar em alguns países do norte da europa como exemplo , onde estas coisas se passam ou no Canadá, onde vivi seis meses - mas este principio que me parece correcto é uma utopia no nosso país que seguiu o rumo do capitalismo selvatico. No meio disto fazer alguma coisa positiva é dificil e cansativo, sabe-se que os resultados não são imediatos, o sistema é caotico e está muito viciado, usar alguns dos vicios do sistema para um bom objectivo é um mal menor perante os obstaculos tremendos que ele impõe; em relação ao que estou a fazer, não posso transformar os meus alunos em pintores como se fosse magia, mas sei que depois das minhas aulas eles iram ver pintura com mais atenção e ganharam coragem para começar a pintar. Se calhar pode haver milagres, se calhar algum aluno meu vai dar continuidade ao seu trabalho criativo, nunca se sabe. Como o mundo anda, o facto de alguém produzir alguma coisa,a meu ver é muito positivo, criar espaços alternativos ao que existe é muito dificil: implica acção e não apenas criticar o sistema de braços crusados.

 
At 7:34 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Ó etanol!
introlucotores?
prefeitamente?

Pois! Para se "poetar" bem, é preciso "in limine" conhecer intimamente a Língua portuguesa.

Há uma confusão de níveis de ensino, no seu comentário:
ENSINO ARTÍSTICO é uma vertente ou uma opção que se toma em jovem e que vai desembocar nos diversos cursos de Música, Artes Plásticas,Teatro, Dança, etc e de que, ao presente, já há Mestrados e Doutoramentos.
Este será o verdadeiro ENSINO ARTÌSTICO, que implica por parte do aluno uma devotada e talentosa doação de si próprio e da sua orientação de vida. Outra coisa,são outras actividades artísticas de teor amadoróistico ou naif, ou complementares de formação artístca ou cultural.A que, dos 8 aos 80, acho muito bem, que se tenha acesso.

O caso da ESCRITA, sobretudo a poética tem outras implicações, que levariam algum tempo, de que não disponho, no momento, a explicar. Além de que este blogue é elucidativo sobre esse assunto.
Somente vou relembrar, que existe uma cadeira nas Faculdades de Letras, que se chama "Teoria da Literatura" e que nos anos 60 do séc XX, se chamava "Poética". O próprio Roland Barthes, foi professor de "Poética", em França. Mas nem essa "cadeira" fazia poetas...Dava mas é consciência da complexidade profunda da escrita poética e dissuadia muitos "aspirantes".
Foi nesse sentido, o meu inicial comentário. E fique bem claro, que gosto de comentar ideias e não pessoas.

interrogação

 
At 5:09 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Cursos artísticos são muitas vezes para dondocas pintarem umas "naturezas mortas".
Que tem isso a ver com o ensino desde criança de uma arte perfomativa a um grande pianista, a um bailarino ou outro performer?
Nada de meter tudo no mesmo saco. A confusão protege as abéculas.

 
At 2:57 da tarde, Blogger MJLF said...

interrogção:
obrigado por esclareceres as confusões e corrigires erros: a minha língua não é apenas portuguesa, eu não sou de poetar, sou mais de patetar, mais de pintar, venho das línguas não verbais, desenvolvi outras coisas.
Anónimo:Schiller nas suas " Cartas para a educação estética da humanidade" defendeu que a educação estética, o ensino artistico era essencial para a criação de uma sociedade mais harmoniosa, ele acreditava que a educação estética poderia formar seres humanos melhores. Eu sou da opinião que as artes são essenciais na educação e que se deveria começar de pequeninos, mas isso não implica que todas as crianças se tornem artistas no futuro.Mas é importante o desenvolvimento da sensibilidade. Quanto às dodocas pintarem naturezas-mortas, não tenho nada contra, mas olha que é muito dificil pintar bem uma natureza-morta, é preciso um grande esforço e muito trabalho.

 
At 12:28 da tarde, Anonymous Anónimo said...

É possível ensinar a escrever poemas? Não me parece. Mas é possível corrigir erros em poemas. E um professor de poesia pode ensinar ao neófito aquilo que deve evitar.
Claro que a um professor assim deve exigir-se sobretudo que seja um grande e atento leitor de poesia e um bom poeta. Duvido que Sena Lino tenha alguma dessas qualidades.
Mas a questão é outra, a meu ver: para que raio há-de alguém querer pagar para aprender a escrever poemas? Um tal desiderato parece-me nascer da atitude materialista de quem acha que tudo se pode comprar, e que à base de euros é possível queimar etapas e chegar mais cedo . . . onde? Que lugar há, em poesia, onde valha a pena chegar?
Não. Para se escrever poemas basta ser-se obcecado pela ideia de os escrever e dedicar a isso uns bons anos, sem pressa de publicar e rasgando o mais possível. Quanto ao truque: saber escolher o melhor, saber filtrar o trigo do joio, ou seja, escolher os melhores mestres e aprender com eles. Por isso, os jovens ou menos jovens que vão gastar 140€ num curso como este, deviam era pegar no dinheiro e comprar livros de poemas. E depois de muitos 140 euros gastos, e de muitos anos a escrever poemas, pode ser que cheguem a perceber por si próprios (não há outra maneira) aquilo que querem fazer em poesia (isto se entretanto - o que é o mais comum - não lhes tiver passado a ânsia de serem poetas).
Pode acontecer também (porque tudo é possível) que Sena Lino consiga ensiná-los a ler poesia e a gostar de o fazer (tarefa muito mais fácil e exequível do que ensinar a escrevê-la), e se isso acontecer já o curso terá valido a pena para os alunos.
JMS

 
At 1:00 da tarde, Anonymous Anónimo said...

de acordo, excepto numa coisa: « os jovens ou menos jovens que vão gastar 140€ num curso como este, deviam era pegar no dinheiro e comprar livros de poemas». Sou contra esse deviam era. Dito de outra forma, eu diria que deviam era fazer o que bem entendem. Gastar o seu dinheiro como bem entendem.

 

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