11.1.06

A cultura dos estúpidos...

Só hoje reparei no diálogo interessante que este comentário de C. acabou por motivar. No primeiro encosto à querela Zazie afirma que a Cinemateca Portuguesa (faz muito bem C. em sublinhar portuguesa) deve continuar a fechar a 70 chaves algumas das raridades guardadas nos seus arquivos. Fala, certamente, de barriga cheia. Há tempos dizia-se que Portugal era Lisboa e arredores… Hoje já há quem acrescente o Porto à expressão. Seja como for, a verdade é esta: em termos de oferta cultural na ementa do estado há portugueses de primeira e portugueses de segunda. Por essas e por outras jamais assinarei petições do género desta, que outra coisa não pretende senão engordar os gordos à custa dos esfomeados. Devo dizer que odeio o culto museológico das obras de arte. Raramente vou a museus, cheiram-me quase sempre a cemitérios. Não gosto do cheiro dos cemitérios. Fechar filmes a 70 chaves num arquivo à mão de meia dúzia de privilegiados, a expensas de todo o contribuinte cumpridor, é quase tão digno quanto conservar carapaus grelhados num congelador. Os filmes fizeram-se para serem vistos até ao pó da película. Quero lá saber se as provas se vão deteriorando! É essa a sua lei. As obras fizeram-se para ser gastas, vistas, disseminadas pelos olhos e pelas manápulas de quem estiver disposto a consumi-las. Cultura de reservatório? Não, se faz favor. Eu nasci em Rio Maior, na modorra da terra vivi até aos 17, sei bem o que me custou a privação de coisas que só pude ver quando fui viver para Lisboa. Senti-me muitas vezes como aquelas criancinhas do interior que nunca viram o mar. E por quê? Porque há meia dúzia de privilegiados que se arrogam no direito de trabalhar, às custas de todos nós, no empacotamento, em arquivos de conserva, do que sendo de todos apenas chega a alguns. Estou farto disso. Se tiverem de se estragar as obras, que se estraguem. Mas que se estraguem cumprindo a função para a qual vieram ao mundo: serem vistas.