27.1.06

Fragmento #26 - Corredores

O sangue corre no sangue que corre, queimando as veias labirínticas das ruas no coração da cidade. Cheira a chuva de Setembro molhado na planície. Um cruzamento áspero de ossos com um aglomerado de pedras acompanha o som dos meus passos na noite. A chuva cai e escorrega nas pedras molhadas do meu chão, nas calçadas estreitas. No escuro, oiço os teus passos nas arcadas nocturnas, esbatendo-se ao longe: são apenas eco; apenas som em ricochete dos meus pés que voltam atrás em palavras passos. Cheira a terra molhada de Setembro nestas pedras escuras das ruas estreitas. O sangue corre no tempo das veias labirínticas da cidade no coração da noite a chover. As pedras têm um timbre a ferrugem nas suas vozes. Em vale de corvos, um anjo voou apenas com uma asa, a outra caiu em terra. Foi o seu último desejo aqui em forma de lápide de ferro. As minhas mãos são a tua asa, elas escrevem em passos no coração da noite. Grito às cinzas no vento destas ruas, quero ver o mar, cheira-me a Inverno neste amarelo às voltas. Vi o teu mar ao longe, numa seara de corvos negros: era a planície amarela. Em vale de corvos a terra é ferro quando a chuva cai. Grito no ar dos pulmões: onde estou eu que tu não estás?
Corro no tempo que corre como a água a cair nas ruas estreitas da cidade. Os nossos passos estão agora nos meus passos percorrendo estas calçadas de pedra na cidade branca das muralhas; são apenas eco, o som em ricochete das palavras que caem das minhas mãos; calçada com voz de água que corre no tempo que corre na água. Cheira a terra molhada na planície amarela com a terra cor de ferro em Setembro. O sangue corre no sangue que corre no coração das ruas estreitas da cidade onde te digo: estás nas minhas mãos sempre que parto pedra nas palavras que escrevo aqui.
Maria João