24.2.06

A espiral de violência

A espiral de violência é como a coluna vertebral dos factos, é uma espécie de espinal medula que não chega ao cérebro. Muito comummente se fala da espiral de violência, embora raras sejam as vezes que ela nos chega explicada, quer dizer, justificada. A espiral de violência, como sabemos, tem os seus móbeis. Há móbeis muito antigos, a precisarem claramente de um restauro, assim como outros, de linhas modernas, à venda nas lojas com design. São estes os que me preocupam mais, pois parecem-me demasiadamente motorizados pela visibilidade que é hoje dada à espiral de violência. Ou seja, quanto mais visível é a espiral mais espiralada ela tende a tornar-se. Trata-se de um estranho efeito que os ecrãs do mundo tendem a promover: mostrar o eco da espiral não ajuda a conter a espiral de violência que urge ser contida. Que fazer? Não mostrá-la? Nem pensar nisso, isso é que era bom, não faltaria, olha, olha, era o que mais faltava! A gente não precisa apenas de saber da espiral, a gente necessita vê-la e, se possível, quem sabe, até talvez venhamos a fazer uma perninha. Daí o facto de os dias derradeiros, no que toca a espirais, serem sempre mais um passo dado no caminho da… isso mesmo: da espiral. Ganhar terreno é inflamar a espiral de bocas abertas, gritos gritados, dentes ferrados uns nos outros, punhos erguidos, cânticos, slogans, pregações, manifestações de um pesaródio (sic) que nos torna a vida cada vez mais espiralada. Na verdade, eu queria apenas sublinhar aqui que: «a violência dos últimos cinco dias entre cristãos e muçulmanos na Nigéria causou a morte a 138 pessoas». Isto é política. Isto é religião. E por que andam estas gentes a matarem-se uns aos outros? Por dá cá aquela caricatura! Tenho para mim que, daqui a uns anos, vamos todos olhar para este fenómeno como quem olha para o absurdo a marear-lhe as barbas. Isto já não tem explicação, é, mais uma vez, o sentimento das torres gémeas a cair sobre a nossa estupefacção sem rede. Ou, como diria o padre Meslier, «quanto a mim, meus caros amigos, se tivesse de formular um desejo sobre este assunto (e não deixaria de o fazer, se pudesse surtir qualquer efeito), desejaria ter o braço, a força, a coragem e a massa de um Hércules para expurgar o mundo de todos os vícios e de todas as iniquidades, e para ter o prazer de abater todos estes monstros de tiranos de cabeça coroada, e todos os outros monstros, ministros de erros e de iniquidades, que fazem sofrer tão impiedosamente todos os povos da Terra.»