17.3.06

Neva em Ushuaia

Neva em Ushuaia por alguns instantes. São os primeiros
sinais do Outono, vindos de El Martial ao fim da tarde.
Os poetas locais compõem os versos adequados à
circunstância
- o Diário del fin del Mundo publicará depois sonetos, odes,
vilancetes e até uma milonga irregular sobre a brancura
que emudece diante do canal. Para isso serve a poesia,
que é mais útil nas pequenas cidades: ilustra os museus,
os jardins,
estátuas de almirantes, exploradores, viajantes da Antártida,

almocreves heróicos que atravessaram o estreito de Magalhães
para chegarem a Ushuaia. Neva em Ushuaia e comovo-me
nas ruas molhadas diante das livrarias e das lojas de tabacos,
e digo o nome dos meus filhos, Maria, Manuel, Francisco,
subo as escadarias, vejo a neve diante dos museus, das portas,
vejo os caminhantes que se abrigam nos cafés e olham
com surpresa a primeira neve do Outono. Mudo os meus versos
e empobreço-os, tocados pela primeira neve, a primeira neve

do Outono que cai sobre o fim do mundo, cai sobre a baía,
cai sobre o glaciar, cai sobre a mudez mais fria da pedra,
sobre as montanhas escuras, e nada resta do primeiro verso,
nada fica da primeira palavra, como uma ventania do sul.

Francisco José Viegas

Francisco José Viegas nasceu a 14 de Março de 1962 em Vila Nova de Foz Côa. Foi professor universitário e jornalista (nomeadamente director das revistas LER e Grande Reportagem). Actualmente é escritor e colaborador freelancer de vários jornais e revistas (entre os quais, Jornal de Notícias; Elle; LER; Grande Reportagem; Volta ao Mundo), trabalhando também para a rádio (Antena 1) e para a televisão (RTP, onde mantém o programa Livro Aberto, depois de ter sido autor e apresentador de Escrita em Dia, Ler para Crer, Primeira Página, Avenida Brasil, Prazeres ou Um Café no Majestic). É autor de diversos livros de poesia, de livros de viagem e de romances. Escreve no weblog A Origem das Espécies.

5 Comments:

At 9:09 da tarde, Anonymous Anónimo said...

E passou há pouco a director da Casa Fernando Pessoa, o que costumava ser cargo de influências políticas e jornalísticas.
Coitado do Pessoa! Ele, que em vida, só foi nomeado para uma miserável mensão honrosa, à conta da "Mensagem"...

 
At 3:52 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Mensão? Queres dizer que a coisa era mensal, ó pica-pau?

 
At 7:24 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Ó pá, BINGO! Passaram-me "mensalões" pela mona...Não do Nando do Orpheu, claro!!

pica-pau

 
At 9:42 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Tenho, aqui, um livro do Viegas
comprado em São Paulo, Br.,
As Imagens, editado por
Caminho Da Poesia, s/d, mas,
creio, de 198&tanto.

 
At 6:39 da tarde, Anonymous Anónimo said...

ò meu, isto foi só um erro de tecla, que saiu abrupto e à laia de acto falhado, que deu para associações livres e humorísticas. Só raramente revejo os meus comentários, sobretudo se são curtos. E, às vezes, acontece disto.
Se é certo que nas chamadas "gestões culturais" tugas, estão sempre uns vips de Famílias, não só biológicas, absurdamente tacanhos e "Tás a ver", até nem parece ser o caso actual, pois esforço e competência (e acesso) a difusões culturais, não lhe faltam. Hoje estou co'a fé.

pica-pau

 

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