22.5.06

A UMA MORTA

Eis o mel a escorrer do coração das rosas,
Os perfumes, as cor’s, os hálitos amados:
Vós não sorrireis mais à beleza das cousas;
Vossos braços estão doravante fechados.

Nunca mais sentireis, sobre as pálpebras mortas,
O lento desfolhar de choros perfumados;
Desfaz-se-vos o peito em tais metamorfoses
Que a tempo chego só de não mais encontrar-vos.

Do ser, que resta? Um nome. E do tempo? Uma data.
Teríeis sido, ao sol, a sombra que eu amara.
No degrau de um sepulcro o meu amor tropeça.

Mais desenvolta, a morte apressou-se a tomar-vos;
Se pensardes em nós haveis de lamentar-nos:
Nós julgamos cegar assim que uma luz cessa.


Tradução de David Mourão-Ferreira.

Marguerite Yourcenar

Marguerite Yourcenar, pseudónimo de Marguerite Cleenewerck de Crayencour , nasceu a 8 de Junho de 1903 em Bruxelas (Bélgica). Devido a ter perdido a mãe à nascença, foi educada pelo seu pai, francês, aprendendo logo muito cedo inglês, latim e grego. Em 1914 partiu com o pai para Paris, passando, desde essa altura, a maior parte da sua vida em viagens. Começando a escrever ainda na adolescência, publicou o seu primeiro livro, O Jardim das Quimeras, aos 17 anos. No início da II Guerra Mundial foi viver para os E.U.A., acabando por naturalizar-se cidadã norte-americana. Foi a primeira mulher eleita à Academia Francesa, em 1981. Poeta, romancista, dramaturga, intelectual, traduziu numerosos romances ingleses e americanos para a língua francesa. Em Outubro de 1987, ano da sua morte, foi-lhe atribuído o Grande Prémio Escritor Europeu do Ano.