12.2.07

ENTARDECER

Sol-posto ungindo o mar: incensos de ouro!

Recolhe funda a tarde em sonho e mágoa.
Surdina fluida: anda o silêncio a orar –
E há crepúsculos de asas e, na água,
O céu é mármore extático a cismar!

E nas faces marmóreas dos rochedos
Esboçam-se perfis,
- Cintilações,
Penumbra de segredos!

Ó painéis de nuvens sobre a terra,
Ogivas delirantes
Na água refractando…
Encheis de sombra o mar de espumas rasas,
Iniciando
A hora pânica das asas!

E, à meia luz da tarde,
Na areia requeimada,
São vultos sonolentos
As proas dos navios…

Ó tristeza dos balões
Iluminando,
Na água prateada,
Os pegos e baixios…

Dormentes constelações
Que, em fundos lacustres
E musgosos,
Pondes reverberações
Em nossos olhos ansiosos.

Ó tardes de aquático esplendor,
Descendo em meu olhar!

Num sonho de regresso,
Numa ânsia de voltar,
Em mim todo me esqueço
E fico-me a cismar.

A tarde é toda um sonho moribundo.
É já olor da cor que amorteceu.
O céu vive no mar: sono profundo.
A asa do rumor no ar adormeceu!

Luís de Montalvor

Luís de Montalvor, pseudónimo de Luís Filipe da Gama da Silva Ramos, nasceu a 31 de Janeiro de 1891 na Ilha de S. Vicente de Cabo Verde. Veio para Portugal apenas com dois meses de idade. Começou a escrever em vários jornais ainda muito novo, datando de aí o seu convívio com Mário de Sá-Carneiro. De 1912 a 1915 viveu no Rio de Janeiro, regressando a Lisboa para fundar a revista Orfeu e, no ano seguinte, a Centauro. Fundador da editorial Ática, Luís de Montalvor deixou a sua obra poética dispersa por várias revistas. Morreu em Lisboa a 2 de Março de 1947.