18.2.07

MOSCOVO NA NORUEGA

O colorido das nuvens
Fala de Inverno.
Cheira a humidade e a coníferas
Como nos arrabaldes de Moscovo.
Tudo como lá,
E tão familiar.
Só o ar não é o mesmo,
A atmosfera não é a mesma,
E os homens são outros.
Só as pessoas não são as mesmas
E não se parecem
Convosco, meus queridos.
Queridos amigos, tanta vez escrevi
Que a separação é uma carga dolorosa,
Que a separação é uma cobra venenosa.
E realmente, eu
Não devia ter saído da União Soviética.
No estrangeiro só são belos os primeiros dias,
Só nos primeiros dias as coisas são bonitas nas lojas.
(Como são bons
Estes lápis,
Estas canetas e estes cadernos!)
E que cidades aqui! Por exemplo,
A velha Bergen, que não é em vão
(Como dizem todos os guias honestos)
Famosa
Pela sua lota de peixe.
A cavala azul, o bacalhau dourado
Na madrugada fria e púrpura.
Eu olhei para o peixe – e uma angústia
De súbito mordeu-me como anzol de pescador.
Recordei claramente: no cesto, no balde,
Recolhendo as barbatanas espalhadas,
Àquela mesma sarda às riscas azuis e brancas
Só lhe chamavam ‘mugem’.
E que esplêndida jovem andava
A essa hora pela areia no sopé da montanha!
E que vasta vida jaz
Entre estas e aquelas mugens!
E a dor de se acabar o dia encantador
Cortou-me como uma faca.
E pensei: ‘Não vale a pena a solidão
Triste no estrangeiro.’
Mas nos lugares do peixe, vejo,
Coçando a perna com uma luva sem dedos,
De botas e capote encerado, boné ao contrário,
Sem tirar nem pôr, um rapaz
Como os do nosso metro.
E exclamei sem querer: ‘Eh,
De que buraco me saíste tu?’
Ela falou-me em norueguês (e eu sem entender),
De uma maneira diferente, está visto, chega.
Realmente, pensei, não poderei
Falar com este rapaz?
E, pondo um caderno0, assim, para que ele visse,
No balcão debaixo do toldo do peixe,
Desenho a oval dos mares da minha pátria
E escrevo em letras latinas a palavra ‘Odessa’.
E então o rapaz da outra costa
Sorriu-me, como um pescador a outro pescador.
Sorriu-me de dentro da alma.
E tirou-me o lápis.
(Como são bons
Estes lápis
Para conservar alguém nosso!)
E escreveu uma palavra conhecida, ‘Moskwa’,
E dessa palavra raios que saíam.
(Como é bom que palavras diferentes
Até nos países distantes excitem!)
E com um ar solene
Ele saudou nesse instante a União Soviética.
E tirando a luva e tirando o boné,
Apertou-me a mão até me fazer chorar.

Pronto, perdemos o direito à tristeza,
E como se não estivesse longe da pátria,
O homem com a espantosa palavra ‘Moscovo’
Nunca está em parte alguma solitário.

Tradução de Manuel de Seabra.

Vera Inber
Vera Inber nasceu em Odessa no dia 10 de Julho de 1890. Estudou História e Filologia, tendo publicado os primeiros poemas, em 1910, nos jornais da sua cidade natal. Por essa altura foi viver para o estrangeiro, onde, em 1912, apareceu o seu primeiro livro: Vinho triste. De regresso a Moscovo, em 1914, dedicou-se ao jornalismo. Durante a II Grande Guerra viveu em Leninegrado, onde o seu marido dirigia um instituto médico, tendo publicado, já no final da guerra, o seu diário desses anos do cerco nazi. Morreu no dia 11 de Novembro de 1972.