11.4.07

METAFÍSICAS

Porque deixar-me a sós com uma espingarda
se ela se fez para vos matar?!
Não quero por ora tal destino
nem a voz se abriu para me calar.
O que desejo? Dêem-me licença
de não estar de acordo nem comigo
quando quero carne e me dão peixe
ou – passe a moda – à mesa troco
a arte mais nova pela antiga.
O importante – sentir-me constante
e favorável a todo o capricho
que for d’encontro à minha vontade,
ou, pelo contrário, a contradiga.
De resto, amigos, não me atrasem
com respostas e perguntas vossas,
nem com pedidos insignificativos
que me deixam perdido a horas mortas.
Se quiserem matar-me, não me importo,
se entanto tiverem tento e corteisa,
mas não esqueçam as vossas espingardas,
que a minha só dispara em poesia.
Quando quero peixe e me dão carne
vou comprá-lo a outra freguesia.
E quanto à arte tenho a que me agrada
sem que por isso renegue a fantasia.

29/11/74

Ruy Cinatti

Ruy Cinatti nasceu em Londres em 1915. Os seus primeiros versos são publicados no Colégio Nun’Ál-vares, em 1932. Licenciou-se pelo Instituto Superior de Agronomia de Lisboa em 1941 e diplomou-se, por Oxford, em Etnologia e Antropologia Social. Desempenhou funções de meteorologista aeronáutico e foi chefe de gabinete do governador de Timor, onde viveu alguns anos. A partir de 1966 encontrou-se proibido de voltar a Timor, instalando-se definitivamente em Lisboa no ano seguinte. Autor de uma obra poética relativamente extensa, foi, com Tomaz Kim e José Blanc de Portugal, um dos fundadores dos Cadernos de Poesia (1940-1953), que co-dirigiu nas suas três séries, sendo também o fundador da revista Aventura (1942-1944). O seu primeiro livro de poesia, Nós Não Somos Deste Mundo, saiu em 1941. Viajante incansável, adoece gravemente em 1986, acabando por falecer na noite de 11 para 12 de Outubro.