27.6.07

UM COMENTÁRIO

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Bruno Santos, do weblog Baixa Autoridade, deixou um comentário no meu post intitulado O Porto Torto, afirmando que «o Porto está a sofrer um ataque cobarde aos fundamentos da sua identidade». Pedi-lhe que concretizasse esta opinião, daí resultando o seguinte comentário que agora chamo à página:

«A estratégia consiste na exploração de dois vectores: caos e desertificação. O caos revela-se na absoluta falta de planeamento urbano. Melhor dito: num planeamento que visa a desordem e a antítese do próprio planeamento. Há vários anos que o coração da cidade está permanentemente em obras, como o próprio presidente da câmara tem orgulho em declarar. Essas obras eternas criam um verdadeiro cenário de cidade bombardeada, caótica, suja. É o paradigma do desenvolvimento do Portugal pós CEE que consiste tão simplesmente em manter a disfuncionalidade travestida de crescimento. O espaço urbano deixa de ser um lugar de encontro, movimento, cultura e fruição, para passar a ser simplesmente um monte de entulho, uma ruína que transforma a experiência da cidade em algo negativo, desmotivador e fracturante. Um joguete nas mãos do poder político que despreza por completo o valor civilizacional, histórico e humano da cidade e a vê simplesmente como um “activo” a rentabilizar permanentemente (leiam-se por favor as declarações de Paulo Morais, antigo vereador da CM do Porto, que despoletou mais um dos processos que o Ministério Público enterrará nas catacumbas do conluio). Quem hoje passear pela Baixa ou por zonas mais antigas e nobres da cidade (Mouzinho da Silveira, Flores, Alegria, D. João IV e tantas outras) verá simplesmente a ruína exposta à memória de quem já se reconheceu nesses espaços, como se houvesse uma premeditação sádica em transformar essa mesma memória, a identidade do Porto, num arrependimento, numa má consciência, numa sensação de abandono e apocalipse. Isto deprime profundamente a cidade e, mais do que isso, prepara-a para a voragem do cimento que soterrará o seu carácter. Tudo isto contribui para que as pessoas desertem, transformando o espaço público num fantasma, sem vida nem dignidade. Pior ainda, abre portas aos urbanizadores do Zero, os Sizas e os Soutos Mouras, que podem então impunemente contaminar a cidade com a sua estética árida, criando verdadeiros buracos negros como a Avenida dos Aliados ou a Avenida Vimara Peres. Da ruína urbana à decadência cultural vai um passo de pardal. O La Féria que aproveite a rima e faça uma Revista panike.»

7 Comments:

At 1:54 da tarde, Blogger JMS said...

A shoppingcenterização liquidou o comércio de rua; a especulação imobiliária, o imobilismo legal e terciarização dos espaços conduziram à desertificação e ao abandono do património arquitectónico da cidade; o desordenamento viário tornou a cidade infrequentável; o novo-riquismo parolo dos desurbanistas associados à vaga do Porto 2001 e sua maré de obras sem fim completaram o serviço. A baixa do Porto está a caminho de se tornar numa cidade fantasma, ou uma espécie de museu com horário de abertura e encerramento (das 8 às 20h, de 2ª a 6ª). O poder autárquico (com algumas honrosas excepções, quase todas no Alentejo) anda há trinta anos a destruir o pouco que este país tinha de autêntico.

 
At 2:12 da tarde, Anonymous Anónimo said...

luso poemas vem por este meio convidá-lo a participar em www.luso-poemas.net

seria um prazer para nos a sua presença.

abraço amigo
luso-poemas

 
At 3:28 da tarde, Blogger Unknown said...

Este comentário foi removido pelo autor.

 
At 3:41 da tarde, Blogger Unknown said...

Já tinha respondido a este comentário do Bruno, contudo e apesar de ser um grande critico da falta de planeamento do território a nível nacional e estar aí em sintonia com o 'jms', volto a propor a todos verem o livro 'Registos de uma transformação', trabalho fotográfico realizado em 2001, onde poderão ver o antes e o depois das obras realizadas no Porto em 2001 e revejam (já que a memória é curta) do aspecto medonho do centro e ruas do centro do Porto antes da intervenção para a capital europeia da cultura. É óbvio que numa obra de tamanha envergadura, que envolveu centenas de agentes ligados à construção, hajam alguns resultados menos satisfatórios que outros, e outros satisfatórios a uns e a outros não, contudo, e apenas como cidadão do porto, que cresceu numa cidade cheia de lixeiras a céu aberto, de industrias altamente poluidoras e de gentes genuinas mas que cospem para o chão, atiram o lixo da janela directamente para o rio, insultam com a maior das facilidades a quem passa, vivem do rendimento minimo, criaram passadores de droga e membros da claque dos super dragões, garanto-vos que o Porto está largamente melhor daquele em que cresci. o que se diz sobre o diagnóstico da cidade é de tal forma sem interesse que quem tem incrivelmente ganho com isso é o Rui Rio (o que parecia inacreditável).

Jorge GP
loucomotiva.blog.com

 
At 6:39 da tarde, Blogger R.O. said...

Nem todo o passado é alma urbana, embora o caos, de que fala Jorge GP, também faça parte de um passado com alma.

Estou em geral de acordo com o texto de Bruno Santos, de que o Porto parece um estaleiro quase apocalíptico. Mas saídos do centro histórico encontramos um passado recente, sobretudo posterior à década de 60, muito desqualificado e pato-bravístico, o qual, embora passado, não merece complacência. E colocar os Sizas e Soutos Mouras no mesmo barco parece-me cegueira. O que faz a alma das cidades é a qualidade que nela se constrói, certamente representativa de cada época. Os interesses imobiliários, os construtores civis, e os autarcas que correm atrás dos interesses destes e a favor do seu bolso próprio, é que deveriam ser responsabilizados, e depois castigados, com duras penas.

Em breve os Sizas e os Soutos Mouras serão já também passado, com patine e tudo. Se a arquitectura deles é árida ou não, é questão de gosto que se pode discutir, talvez noutra altura, sem saudosismos nem preconceitos patrimoniais.
[Roteia]

 
At 6:17 da manhã, Blogger Mário Pedro said...

Como o assunto continua, não resisto a dar a minha opinião, no seguimento do Prós e Contras e não tanto do comentário de Bruno Santos. Ele que me perdoe, porque até lhe ficam bem os sentimentos expressos, mas o seu comentário é infantil.
O Porto está falido. Isso parece-me óbvio. Tudo o resto são (des)considerações anedóticas. Está falido e não há mal nenhum nisso. Acontece. Sobretudo, acontece a quem tem dinheiro e negócios. É uma coisa normal na vida de uma pessoa, de uma comunidade e de uma nação. A Nação aqui, claro, é Portugal, também ela falida.
Disse-se que o Porto é uma cidade que parece que já foi. É verdade. O Porto já foi uma cidade rica, porque rica era a região, ricas eram as empresas, as indústrias e logo as pessoas, quer os patrões, quer os empregados. Isso permitiu-lhe um pouco de tudo: profissionais liberais, artistas, animação, vida cultural, liberdade, etc., etc. Tudo o que a riqueza pode proporcionar, o Porto teve. Tinha por isso a alegria de quem vive bem, com as necessidades básicas garantidas e as secundárias satisfeitas e os luxos visíveis. Nem sequer era perfeito, o Porto rico, que escondia nas ilhas a pobreza da ignorância. E também não foi por aí a sua ruína.
O Porto (e o Norte) sempre foi terra de gente de trabalho. Muito mais que ao sul. Nem sequer isso é estranho ou anormal. O óbvio clima ajuda também a explicar. E não é o aquecimento global que lhes tirou a vontade de trabalhar. Nada disso. O Porto simplesmente faliu. Porque o modelo em que assentava tornou-se obsoleto e faliu. E também não foi por causa da macrocefalia do País ou da falta da regionalização — isso é apenas mais um obstáculo à saída da crise. O Porto nunca precisou de Lisboa para ser rico, sempre foi ao contrário. Nem sequer se pode dizer que o Porto faliu por causa do País, que também faliu. Já o contrário pode ter alguma verdade.
Hoje, o Porto é uma cidade triste, deprimida e lamuriante simplesmente porque não tem dinheiro. E sem riqueza não há liberdade, não há alegria, não há cultura que valha, não há senão tristeza.
O Porto/Norte faliu por três razões fundamentais. Primeiro porque com a globalização e a consequente abertura dos mercados, o Porto passou a competir com países mais competitivos. Depois porque o próprio paradigma da criação da riqueza se alterou. E finalmente, por culpa própria, porque não soube aproveitar os financiamentos europeus para transformar o seu aparelho produtivo. Apoiada num modelo de baixa tecnologia, baixos salários e trabalho intensivo, em que por exemplo a China é muito melhor, não soube requalificar os trabalhadores, apostar na tecnologia e na qualidade do trabalho. Teve a oportunidade e não achou importante. Não soube ver mais além...
Era isto que o Porto deveria estar a discutir. Porque é que na altura certa, antes da abertura dos mercados, em cima da mudança de paradigma, os empresários do Norte não perceberam a oportunidade única que tinham através dos subsídios europeus para passarem para o séc. XXI. Mas isto, as forças vivas da Invicta não parecem ter vontade de discutir. Pelo menos a ver pelo Prós e Contras. É claro que esta poderia ser uma discussão problemática, com lavar de roupa suja e troca de acusações, chegando-se talvez à conclusão que a culpa é de todos os que ornamentaram o Salão Árabe do Palácio da Bolsa para o programa da RTP. Se calhar iríamos descobrir que, o que faliu foi também o espírito liberal e empreendedor que o Norte tinha.
Ou se calhar esta discussão não levaria a lado nenhum, até porque o mal está feito e corrigido. O que também ninguém disse claramente naquele debate. É que o caminho que está a ser trilhado pelas universidades, como testemunharam alguns dos presentes, vai resolver o problema. Mas, é claro, que agora ainda se vivem “as vacas magras” dos erros do passado. E os frutos deste novo caminho levarão algum tempo a chegar. Mas ele tem que ser compreendido, apoiado, e incentivado.
O que se passa na cidade, com prédio devolutos, requalificações, obras continuas e erros pontuais, desertificações, shoppings, etc., etc., é a metáfora/consequência do que realmente está a acontecer na região.

 
At 7:25 da tarde, Blogger JMS said...

mcp,

Boa gestão e riqueza são coisas completamente diferentes. Não gere melhor quem tem mais dinheiro, nem o contrário. Estamos a falar de políticas mal orientadas, de fundos públicos mal investidos, de opções urbanisticas e sociais erróneas. Nada disso tem necessariamente que ver com dinheiro. Há cidades mais pobres do que o Porto e onde é um prazer viver; há cidades mais ricas do que o Porto e que são um verdadeiro pesadelo.

 

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