21.8.07

DESOBEDIÊNCIA CIVIL

Informa o Público que o PSD recebeu ilegalmente, em 2002, mais de 233 mil euros em donativos indirectos da construtora civil Somague. Cito: «O Tribunal Constitucional deu como cabalmente provado que a Somague, SA pagou uma factura no valor de 233.415 euros por serviços prestados ao PSD e à JSD pela empresa Novodesign, embora afirme "ignorar o que fundamentou tal liberalidade", refere o acórdão, de 27 de Junho passado.» Portugal é isto, é consecutiva e repetidamente isto. É neste Portugal dos arranjinhos, das falcatruas, dos negócios por baixo da mesa, das danças de salão, que os portugueses vão votar de quatro em quatro anos. Quando os exemplos vêm de cima, que podemos esperar dos que estão por baixo? O povo olha e pensa: hei-de ser eu toda a vida a galinha que come com a merda dos galos instalados no alto do poleiro? A arte do desenrasca e o chamado chico-espertismo são atributos bastas vezes reconhecidos nos portugueses, tão reconhecidos quão criticados, censurados e vilipendiados por uma corja de moralistas que, vai-se a ver, limita-se a repetir, debaixo de maquilhagem de marca, os tiques que tanto censura. É o Portugal corrupto que sempre foi. Já Fialho de Almeida falava dele: «tudo em Portugal corre ao dinheiro». Mudam-se os regimes, mantêm-se os vícios. É este país uma escola de agiotas e batoteiros da coisa pública. «Conclui-se disto a deliquescência da vida portuguesa, nos seus duplos aspectos da consciência e da moral» - dizia Fialho e eu relembro. Mas não vale a pena continuar a digitar a mesma tecla, mesmo quando a sátira ao (des)governo de Portugal, vinda a lume, em 1713, pela pena inflamada de Tomás Pinto Brandão, readquire por estes dias uma pertinência que, para mal dos moralistas, parece nunca ter perdido. Este é o bom governo de Portugal, e contra ele pouco há a fazer. Da canalha e dos vendilhões, da corte e dos soberbos fidalgos da politiquice desavergonhada, a gente há muito já nada espera. De quem a gente ainda esperava alguma coisa era desses que andam preocupados com a saúde das galinhas, ceifando campos de milho quando o que era preciso ceifar era campos de hipocrisia, cinismo, usura e dissimulação. Aí sim, é que seria ver a desobediência civil bem empregada, ao serviço de uma limpeza que todos temem porque todos trazem as bainhas salpicadas da mesma porcaria.