16.8.07

PRIMEIRO ESBOÇO DE UMA MÃO

Agitemos aqui A MÃO, a mão do Homem!

1

A mão é um dos animais do homem: sempre ao alcance do braço que sem cessar a alcança, o seu morcego diurno.
Em repouso aqui ou acolá, pomba ou rolinha, muitas vezes então reunida à sua companheira.

Depois, forte, ágil, esvoaça em volta. Esconde a sua fronte, passa diante dos seus olhos.
Prestigiosamente representando as Euménides.

2

Ah! É também para o homem como que a sua barca com amarra.
Puxando como ela até ao limite da corda; baloiçando o corpo sobre um e outro pé; inquieta e teimosa como um cavalo novo.
Quando a vaga se agita, fazendo o sinal de nem bem nem mal.

3

É uma folha mas terrível, pregnante e carnuda.
É a mais sensitiva das palmas e o caranguejo dos coqueiros.
Vejam a direita a correr aqui por esta página.

Eis a parte do corpo melhor articulada.
Há um boi no homem, até aos braços. Depois, a partir dos pulsos - onde as articulações se desmultiplicam - dois caranguejos.

4

O homem tem o seu botão electro-magnético. Depois o seu celeiro, como uma abadia reconvertida. Depois os seus moinhos, o seu telégrafo óptico.
De lá saem por vezes andorinhas.

O homem tem as suas bielas, as suas charruas. E a sua mão para os trabalhos de rigor.
Pá e pinça, croque, remo.
Tenaz carnuda, torno.
Quando uma faz de torno, a outra faz de tenaz.
É também esta cadela que por tudo e por nada se deita de costas para nos mostrar o ventre: palma oferecida, a mão estendida.
Servindo para agarrar ou para dar, a mão para dar ou agarrar.

5

Ao mesmo tempo marioneta e cavalo de lavoura.

Ah! É também a andorinha desse cavalo de lavoura. Pica no prato como o pássaro na bosta.

6

A mão é um dos animais do homem; muitas vezes o último a deixar de mexer.

Ferida por vezes, arrastando pelo papel como um membro retesado uma caneta enxertada que aí deixa o seu rasto.
Esgotada, ela pára.

Arrepanhando então o lençol ou amarfanhando o papel, como um pássaro que morre crispado na poeira, - e aí se abandona enfim.

Tradução de Manuel Gusmão.


Francis Ponge nasceu a 27 de Março de 1899 em Montpellier. Militante comunista, delegado sindical, membro da Resistência, publicou o seu primeiro livro, Douze petits écrits, em 1926. Só em 1942 aparecerá o segundo, intitulado Le Parti pris dês choses. Inicialmente influenciado pelo surrealismo, distancia-se destes optando por uma linha mais materialista e sensualista. Professor após a guerra, escreveu poemas, quase sempre em prosa, e ensaios, assim como poemas-ensaio, tendo sido posteriormente reconhecido o seu trabalho com a atribuição do Grande Prémio de Poesia da Academia Francesa, em 1984. Faleceu a 6 de Agosto de 1988.