23.10.07

FLAGS OF OUR FATHERS

As bandeiras dos nossos pais, bem vistas as coisas, não foram muito diferentes das nossas. É aliás curioso que nos identifiquemos com tanta facilidade com essas bandeiras, as mesmas que, provavelmente, são parte integrante da humanidade, são uma espécie de ideal para o qual há muito tendemos mesmo sabendo que jamais o atingiremos. Bandeiras como a da liberdade, do direito ao trabalho, a uma vida digna, são bandeiras universais, bandeiras que, assumam as cores que assumirem, estão intimamente relacionadas com o nosso desejo de sobrevivência. A vontade com que nos empenhamos na defesa dessas bandeiras pode variar em função das circunstâncias e das motivações, pode ser relativa à hierarquia de necessidades que cada indivíduo estabelece para si ou, em alternativa, que a sociedade faz estabelecer para cada indivíduo. Seja como for, as bandeiras dos nossos pais são exactamente as mesmas que hoje hasteamos mais ou menos envergonhadamente. Como dizia, estão todas elas relacionadas com a nossa sobrevivência. Justiça, saúde, educação, trabalho, segurança, são há muito ministérios sem mistério. No tempo dos meus pais eram praticamente todos eles, os ministérios, direitos a conquistar. No nosso tempo, são assim como que ministérios a assegurar. É esta a grande diferença: eles, que nada tinham, lutaram para que pudessem ter algo; nós, que praticamente tudo tivemos, teremos de lutar para o não perdermos. A luta que hoje faz sentido é apenas essa, a luta pela preservação dos direitos que foram arduamente conquistados por quem nada tinha a perder. Nós, hoje, temos tudo a perder. Penso nisto muitas vezes e por variadíssimas razões, mas ultimamente tenho pensado mais ainda. A razão é simples de explicar e não tem nada que ver com o discurso recorrente dos sindicatos, dos partidos, dos privilégios lesados. A razão de ultimamente pensar muito nesta realidade tem dois nomes: Matilde e Beatriz. Temo que o futuro das minhas filhas não vá ser nada fácil. Que poderei eu garantir-lhes do que me garantiram os meus pais? É provável que as bandeiras delas venham a ser as mesmas, mas mais provável ainda, tudo o indica, que em contextos mais similares ao contexto em que os meus pais lutaram por essas bandeiras. O que os torna similares: o tal medo e a tal insegurança, não perante a ameaça física, mas mais perante as ameaças da demissão e do desemprego que condicionam a liberdade; a subserviência ao poder económico; este clima de hienas à volta de cadáveres que é cada vez mais o nosso, um clima concorrencial absurdo que rapidamente transforma cooperação em conflito; um controlo “mediavalesco” das acções humanas que, tantas e diversas vezes, atenta de forma evidente contra a mais básica liberdade humana. E o mais chocante disto tudo é perceber que toda esta luta não passa de um embuste, um embuste que nos faz crer ser possível mudar esta terrível realidade: os 500 indivíduos mais ricos do mundo têm rendas maiores que as 416 milhões de pessoas mais pobres do planeta. A gente sabe que há-de ser sempre assim, por mais voltas que dêmos há-de ser sempre assim. Mas não podemos dizê-lo aos nossos filhos.

4 Comments:

At 4:25 da tarde, Blogger manuel a. domingos said...

Cada vez mais tenho menos bandeiras. E tento não as ter, o que torna as coisas muito difíceis. Também devo dizer que não tenho filhos. Não quero ter filhos. Os meus amigos estranham. Talvez lhes dê a ler este teu post. Talvez comecem a entender.

E as bandeiras dos meus pais nada ou pouco me dizem. Liberdade? Educação? Segurança no Trabalho? Mais direitos? Mais tudo. Com o 25 de Abril a vontade foi tanta que deu em diarreia. E ela ainda por aí continua. O 25 de Abril foi uma revolução muito bonita, cheia de flores e tudo. Foi, também, uma revolução falhada. É uma revolução falhada. O país continua tacanho, cinzento, medíocre. Tudo o que era antes. Há liberdade. Sim. Há educação. Sim. Há muita coisa que não havia antes. Sim. E para quê? Para haver blogs? Para eu estar a escrever aquilo que agora estou a escrever? Para alguns sim. Para mim: não.

Estou farto de ouvir pessoas a dizer que lutaram por mim, por nós. Estou farto de ouvir dizer que antes se vivia pior. Essas pessoas são as mesmas que beneficiaram nos anos 80 de juros absurdos nos bancos, em que rapidamente 1000 contos se transformavam em 3000 ao fim de alguns anos. São as mesmas pessoas que hoje gozam uma boa reforma. São as mesmas que não têm hipotecas para pagar. São as mesmas que não têm taxas de juros sempre a subir. São as mesmas que sempre tiveram um emprego e que sabiam que ia ser para toda a vida. Que sabem eles da nossa vida? Nada!

Desistir. Talvez. Para mim começa a dar resultado.

 
At 10:51 da tarde, Blogger hmbf said...

Discordo. Gosto muito de ouvir pessoas dizerem que lutaram por mim. Respeito muito essa luta. Tomara eu ter a força que eles tiveram para continuar a lutar, pelo menos, por manter o que eles conquistaram. Se me perguntares o que conquistaram ofendes-me. :)

 
At 11:52 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Eu sei bem aqulio porque os meus pais lutaram. Lutaram para poderem ter uma vida melhor (e tiveram-na ) e para que eu pudesse ter mais oportunidades do que eles tiveram ( o que também aconteceu). Eu faço o mesmo pela minha familia, que é o melhor que posso fazer, nenhum estado ou instituição vai fazer por nós nada, precisamos sempre de conquistar tudo á custa do nosso esforço, porque as "elites" já nascem com o caminho facilitado e o resto que se lixe.
No sorrow, no apologies, just plain hard work!

 
At 11:56 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Completamente de acordo, Mário.

 

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