16.10.07

A MAIS CURIOSA DAS CRIATURAS

Como o escorpião, meu irmão,
Tu és como o escorpião
Numa noite de medo.
Como o pardal, meu irmão
Tu és como o pardal
No seu miúdo desassossego.
És como o mexilhão, meu irmão
Tu és como o mexilhão
Fechado e tranquilo.
Tu és terrível meu irmão
Como a boca
De um extinto vulcão.
E tu, ai de mim, não és um,
Não és cinco,
Tu és milhões.
Tu és como a ovelha, meu irmão.
Quando o carrasco vestido da tua pele
Quando ele levanta a sua vara
Apressas-te a alcançar o rebanho
E vais para o matadouro a correr,
Quase orgulhoso.
Em suma, és a mais curiosa das criaturas
Mais curiosa que o peixe
Que vive no mar ignorando o mar.
E se há tanta miséria na terra
É graças a ti meu irmão.
Se somos famintos, esgotados,
Se somos esfolados até ao sangue,
Espremidos como uvas para o nosso vinho
Iria até ao ponto de dizer que é culpa tua,
Mas não,
Isso nada tem a ver contigo meu irmão.

Versão de Adalberto Alves.

Nazim Hikmet

Nâzim Hikmet nasceu a 21 de Novembro de 1901 em Salónica, a principal cidade da região grega da Macedónia. Começou a escrever poesia muito cedo, influenciado pelo avô. Entrou para a Escola Naval em 1917, graduando-se dois anos depois. Pertenceu ao Partido Comunista da Turquia. De viagem à URSS, onde completou os seus estudos na Universidade de Moscovo, regressou à sua terra natal desgosotoso com o ambiente poético que então se vivia na ex-União Soviética. Perseguido pelos monarcas do seu país, condenado a 15 anos de prisão, acabou refugiando-se de novo na URSS. Escreveu poesia, teatro, memórias e ficção. Morreu de ataque cardíaco, a 3 de Junho de 1963, em Moscovo.