28.2.08

Do debate

Vi o debate sobre a educação na segunda-feira passada, apesar de detestar o programa, sobretudo porque a jornalista é bruta e parece que está pronta a bater em toda a gente. Mas como o tema era as reformas na educação e já fui professora de educação visual, não podia deixar de ver. Acho a ministra da educação uma personagem sinistra, autoritária e intolerante. É assim que ela está a colocar as reformas em prática, e eu até não sou contra reformas, ela vai fazer o que quer, sobretudo gastar menos dinheiro com o ensino público e ter bons resultados estatísticos aparentes a curto prazo, é tudo política e vai ganhar sempre porque o novo sistema só irá promover a mediocridade e centralizar o poder do ministério – se existe uma instituição que impera é a mediocridade, a maior instituição na espécie humana. A classe dos professores sempre foi desunida e agora vão estar a espezinhar-se uns aos outros – aliás, como sempre o fizeram, mas agora podem fazê-lo com outros requintes. Os professores que dão melhores notas serão os melhores professores, símbolos de um sucesso aparente, têm de passar alunos, mesmo que eles não saibam interpretar um texto, ou até mesmo ler – uma realidade que já impera nas nossas escolas, sempre ouvi os professores que dão boas notas dizerem em voz alta: eu não tenho problemas com os alunos! Eu costumava dizer nas reuniões que não tinha problemas com os alunos, os alunos é que eram problemáticos. Os professores serão transformados no futuro em entertainers dos alunos no ensino público, são mal pagos para os entreterem na escola, manterem-nos lá cada vez mais tempo, tentar convencê-los de que a escola é um sítio giro; ensinar não será a prioridade, têm de aparentar sim que está tudo bem e passá-los com os bons resultados que eles não têm; e agora, cada escola tem um patrão com o poder de escolher quem está abaixo na direcção, estou a ver as (os) professoras (es) incompetentes que não sabem dar aulas, que nunca se deram ao trabalho de ensinar e por isso foram para os conselhos executivos, a serem directores-polícias de todo o resto da escola; e nos exames nacionais vão ganhar cada vez mais os colégios privados nos resultados, aí os alunos vão ter bons resultados de certeza, a elite já existe, o desfasamento vai ser cada vez maior, o ensino público vai ser uma merda, as boas escolas públicas que têm resistido contra tudo e todos vão acabar e no ensino público só vai haver professores maus, e os alunos que não têm outras hipóteses, porque os pais não têm dinheiro. Quem gosta e quer ensinar está fodido, e os bons alunos do público também estarão fodidos! Eu se voltar a leccionar no ensino secundário, só o poderei fazer num colégio privado – alguém tem uma cunha? Até sou uma gaja classificada e vou preferir ganhar mal numa escola de elite, do que ser entertainer e mal paga no ensino público – com uma série de filhos da puta a fazerem pressão para eu dar boas notas para as estatísticas, a dizerem que não têm problemas, a omitirem os problemas que existem. Porque são tão estúpidos que só pensam em safar-se, não querem encarar o facto de estarem a ensinar populações de alunos problemáticos. Bom, mas eu também sou tão estúpida que deixei de dar aulas e vivo de biscates. Sim, porque o país tem problemas sociais muito graves, eu assim estou distante desses problemas, as cidades cresceram desordenadamente, os actuais alunos nos grandes centros urbanos são muito diversos, têm várias etnias, os professores não têm preparação para os ensinarem, existe muita miséria a todos os níveis! Como é que se ensina português a uma média de pessoas que a sua língua mãe é outra? E se não sabem interpretar um texto mesmo que a sua língua materna é o português? E o resto das disciplinas se eles não sabem interpretar um texto? São muitos os fenómenos sociais, económicos e culturais das nossas populações de alunos no ensino público que não se têm em conta, sobretudo nas periferias das grandes cidades, que são a maioria das escolas. Tudo começa com a actual avaliação dos alunos: na minha área, por exemplo, como se avalia um aluno que não faz nada, só causa distúrbios nas aulas, se puder bate-te e não te entrega desenhos nunca? E agora, nem vai às aulas? Deve-se passá-lo? Bom, quem leva porrada de alunos ou for morto deve ser por sua culpa, é um mau professor, mas por enquanto ainda não começaram a matar professores. Deparei-me com casos assim numa escola em Chelas, eu não tinha medo de os classificar com 1, porque não podia dar 0, apesar de os colegas me olharem de lado nas reuniões e me colocarem logo em causa – tinham medo de retaliações. Em sítios como Chelas e muitos outros nas periferias de outras grandes cidades do nosso país é que vai ser lindo. Se a avaliação dos alunos no público agora é o que é, como é que vai ser a dos professores? O panorama é triste, devia de facto ser efectuada uma grande reforma no ensino público. Começava-se pelas turmas, teriam metade dos alunos, em vez de 30, seriam 15 no máximo, aí já começava a haver hipóteses de ensinar tendo em conta que cada aluno é um indivíduo diferente. Depois eram os currículos, separavam-nos logo no 7º ano: em ensino técnico, com uma componente mais prática e o ensino corrente, uma grande percentagem aprendia logo uma profissão para ser inserido no mundo do trabalho após o 9º e o resto poderia seguir para a Universidade (como se faz na Alemanha). Foi o Sr. Presidente Cavaco Silva que acabou com o nosso ensino técnico – vieram os cursos da CEE, financiados, com os devidos desvios de fundos e sem qualquer aplicação prática ou resultados na nossa sociedade, para além de serem um biscate para a população mais nova na altura, podiam ganhar uns dinheirinhos. Mas uma reforma como eu a imagino custa imenso dinheiro, implica mais professores contratados e com uma formação diferente – nomeadamente, para o ensino técnico. E TINHAM DE REVER A AVALIAÇÃO DOS ALUNOS, com critérios claros para se avaliarem depois também os professores. E os alunos também avaliavam os professores e os professores que avaliavam os seus parceiros tinham de ter formação para isso e critérios claros para efectuarem as avaliações. O que se está a passar é uma tristeza. Vai haver um bigbrother nas escolas públicas, uuuuu, a pressionar os professores a darem bons resultados para as estatísticas, acho que de futuro vai haver um bigbrother em cada esquina mesmo, um representante do governo a ver se a coisa está como convém aparentemente. Espero não estar a ser pessimista e que tudo seja feito da melhor maneira e a ministra tenha bom senso. Ela desconhece a realidade das escolas nos grandes centros urbanos ou não quer ver a realidade da maioria das escolas públicas, com populações multiculturais que são um autêntico cocktail molotov. Eu acho que quando começarem a matar professores, não é um mero caso isolado de violência, ou um ou outro professor onde se coloque as culpas no próprio, dizendo que tinha mesmo cara para levar um estalo, ou era tão fraco que foi morto, eu acho que quando a violência imperar nas nossas escolas públicas, houver esfaqueamentos e sangue, vão ter de as fechar e pensarem em verdadeiras reformas no ensino que tenham a ver com as realidades socio-económicas do pais – aí vai ter de haver uma revolução à força!

Maria João

3 Comments:

At 5:42 da tarde, Blogger Bibliotecando said...

Querida Maria João, neste momento, nas escolas, reina a insatisfação, o stress e a tristeza, no entanto (pelo menos na minha) ainda não nos dão estalos, nem nos matam...Porque são os porfessores que preparam visitas de estudo para eles verem o que os pais não sabem mostrar-lhes, porque são os porfessores que levam à escola técnicos da Abraço, da Luta contra a Fome para lhes ensinarem a solidariedade e o direito à diferença, porque são os professores que, depois de um dia inteiro, ainda ficam umas horas na escola, a ensaiar peças de teatro e a sonhar com eles...e isto, a si...desculpem, ministra, nunca vai entender!!!

Sim, tens razão, querem enterrar a escola pública, querem aumentar ainda mais o fosso social que já existe! Mas, pela primeira vez, a classe docente está a unir-se e, tenho a certeza, dia 8 de Março vai ser um dia muito importante para todos nós! Porque não são só os professores que vão ser lixados com esta política educativa, SOMOS TODOS!

 
At 6:09 da tarde, Blogger MJLF said...

Pois somos, espero que os professores se unam!
Maria João

 
At 1:35 da tarde, Blogger jp said...

"Os professores serão transformados no futuro em entertainers dos alunos no ensino público"
no futuro não, já, aliás penso que se tem acentuado desde os últimos 10 anos.

 

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