31.5.08

O edita por escrito

4.

Durante o Edita, nunca tive outro despertador senão o meu estômago. Quando a barriga dava horas, qual imperadora, eu levantava-me de um só pulo e arrastava o corpo-feito-cadáver para debaixo do chuveiro. Ao chegar ao Teatro del Mar, confirmava que não tinha vendido nada, mas não ficava assim tão aflito, pois o almoço era por conta da casa.
Os jantares, todavia, já eram por conta do que se havia vendido de cantos da casa e o pouco dinheiro que eu havia trazido de casa. Depois ia noite fora e não deixava que o dinheiro me disciplinasse as despesas e o destino.
Nunca fui a nenhuma comunicação vespertina. Na verdade, nem a nenhuma durante o dia.

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Huelva consegue ser quase tão feio como o mais feio dos portugais possíveis. Punta Humbria, todavia, consegue ser quase tão bonito como o mais bonito dos portugais possíveis.
Assim que, durante os dias do Edita, me achei mais próximo do meu país do que do país onde me exilei, ou da região do país onde me exilei. A Cataluña, e Barcelona em particular, é um sítio especial, com uma identidade inimitável, a ponto de conseguir fazer do resto da Espanha uma nação estranha.
É óbvio que a Andaluzia se pareça menos com a Cataluña do que com Portugal, por estar geograficamente mais próximo, quase à berma. Mais que geograficamente, as próprias pessoas pareceram-me mais próximas dos portugueses do que dos catalães. Mas não necessariamente mais parecidas comigo.

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Só uma capacidade diminuta de discernimento para não perceber que em geral a espécie humana é estúpida. Espanha não foge à regra e faz de quem não é estúpido uma estupenda excepção.
Aqui, no entanto, já conheci gente especialmente estúpida como nunca conheci em Portugal; já me perguntaram que idioma se fala em África ou se em Praga se fala português e já testemunhei espanto por um americano falar fluentemente inglês.
Creio que o espanhol médio é bastante mais ignorante que o português médio no que toca a cultura geral, pois não tem noções básicas de história nem de geografia, faltando-lhe assim as coordenadas para se mover no tempo e no espaço do conhecimento comum.
A Espanha, tal como Portugal e todos os países do mundo, além do seu homem médio, tem seus génios e a sua ralé.
Se fizermos um rastreio pela ralé mais rasteira de Espanha, seremos conduzidos até à Andaluzia. Os andaluzes que conheci na Cataluña são absolutos animais, pouco pensam e quando pensam é em comer, beber e foder. Se os espanhóis em geral são um povo estúpido, então os andaluzes são um sub-povo extremamente estúpido.

Vítor Vicente
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