31.7.08

FÉRIAS


BOA NOITE

Ruy Belo e Maria Teresa.

30.7.08

UM PRIMADO ABSOLUTO

«Pôr a nu as quimeras, eis o programa dos cínicos. Incluído o que diz respeito ao desejo, ao prazer e às relaçõs sexuadas. Qual é o objectivo de Diógenes, de Crates e de Hiparquia? Acabar com a hipocrisia, a linguagem dupla, a moral moralista, o falso pudor, a dissimulação, a vergonha e outras variações sobre os temas, que se tornaram muito cristãos, da culpabilidade, da falta, do pecado, da recusa do corpo, do desprezo pela sensualidade e da aversão pela sexualidade. Não há nada de condenável num corpo sujeito à necessidade de alimento e de bebida. Então, porque é que, quando está dependente da pressão da libido, isso há-de ser um sinal de maldição, um traço de vergonha? A carne, os átomos, a matéria também são vítimas de desejos, de pulsões, de necessidades. A regra é satisfazê-los de uma forma tão desculpabilizada como o fazem os animais na natureza: a cultura pressupõe e propõe, segundo uma lógica ética, a obediência máxima às leis naturais. O materialismo equivale a uma lição cosmogónica na qual o bestiário serve de ensinamento eficaz, rápido e claro.
Os cínicos fazem o culto do sexo pago, das mulheres em trânsito, das histórias passageiras relacionadas com o prazer puro e simples. Antístenes admira-se de ser acusado de ter uma parceira efémera mas que lhe foi, contudo, de grande utilidade. Responde que não se olha com maus modos para o barco para o qual subimos e que, contudo, já serviu a muitos outros para atravessar o Mediterrâneo. A primeira libertina que aparece faz o trabalho que tem a ver com a sua função e com o contrato estabelecido, e pouco importam a sua beleza, a sua inteligência, a sua posição social ou a sua virgindade, todas essas quimeras tirânicas. Até poderia ser feia, estúpida, pobre e prostituta. A única coisa que interessa é a relação contratual, na qual o desejo, que está a ponto de ser sufocado e de transbordar, encontra oportunidade para se libertar numa relação estabelecida de comum acordo. O objectivo é a expansão do indivíduo. Não há nenhuma necessidade de, para tanto, disfarçar essa necessidade com arrulhos, declarações, atitudes ridículas, promessas que não se podem cumprir.
O gesto de Antístenes dá cabo das mitologias sociais que se alimentam de monogamia, de fidelidade, de eleição amorosa, seguidas do cortejo habitual de enganos, hipocrisia e ciumeira. Trata-se de libertar o desejo das amarras gregárias que o justificam exclusivamente em termos de uma sujeição vivida segundo fórmulas conformistas. A dissociação cínica radical afasta o desejo e o prazer do amor e separa claramente estes dois registos. Destruindo o sagrado, o religioso e o espiritual que estão associados ideologicamente à sexualidade, os filósofos de mochila e cajado laicizam o corpo e as relações, fazendo o culto da carne e do contrato, da matéria e da vontade mútua. Quando ouvem falar de amor, os materialistas cínicos sacam da espada - e desatam a rir, como qualquer bom discípulo de Demócrito.
Por que razões os desmistificadores reduzem o desejo às suas componentes atómicas? Por que é que o sábio permanece livre, ignora os entraves e conhece a felicidade de aceder a uma liberdade plena e inteira? É o corpo ao serviço da ética. Nas filosofias materialistas, a liberdade tem um primado absoluto. Daí a necessidade de ultrapassar as alienações, de recuperar uma autonomia eventualmente perdida. Marx não se engana quando dedica a sua tese de doutoramento à diferença entre os filósofos da natureza, de Demócrito a Epicuro. A epistemologia atomista visa uma moral da liberdade, da apropriação ou da reapropriação de si. Nesta lógica, o desejo é uma ameça, estendendo uma sombra sobre as possibilidades de independência do indivíduo.»

Michel Onfray, Teoria do Corpo Amoroso, trad. Fernando Caetano, pp. 63-64, Temas e Debates, Lisboa, 2001.

BOM DIA

Charles e Linda Lee Bukowski.

AS PESSOAS FELIZES

As pessoas felizes às vezes
abanavam os braços de uma forma estranha.

(As pessoas não eram felizes às vezes.
Pensei ser estimulante a divisão do verso,
mas arrependi-me.)

Às vezes, repito, as pessoas felizes abanavam os braços
de uma forma estranha.
Eu era criança nessa altura, ou nessa noite
do concerto no Coliseu, e elas dançavam
às vezes, e eu não as entendia.

As pessoas felizes às vezes
pareciam ridículas no seu afastamento,
no seu terrível afastamento
de mim.

(Pergunto-me: para quê persistir na divisão
do verso?)


Filipa Leal

Filipa Leal nasceu no Porto em 1979. Licenciada em Jornalismo, fez o Mestrado em Estudos Portugueses e Brasileiros, com uma dissertação sobre os «Aspectos do cómico na poesia de Alexandre O’Neill, Adília Lopes e Jorge de Sousa Braga». Tem participado em vários recitais de poesia, fazendo parte do colectivo Caixa Geral de Despojos. Está representada em algumas antologias e colaborou com as revistas Egoísta e Mealibra. Publicou a ficção Lua-polaroid e os livros de poesia Talvez os Lírios Compreendam (2004), A Cidade Líquida e Outras Texturas (2006), O Problema de Ser Norte (2008).

BOA NOITE

Liv Ullmann e Ingmar Bergman.

29.7.08

TUDO SOBRE O AMOR

«O cinismo disse, ou pretendeu dizer, tudo sobre o amor: ou seja, que se trata de uma copulação de máquinas orgânicas e sociais em grande escala (no fundo do amor, os órgãos, as determinações económicas, o dinheiro). Mas o que é típico do cinismo é pretender fazer um escândalo de algo que não é escandaloso, e de se fazer passar por audacioso sem qualquer audácia. Antes o delírio do bom senso que a sua estupidez. Porque o que salta logo à vista é que o objecto do desejo não são pessoas nem coisas, mas meios inteiros que ele percorre, vibrações e fluxos de qualquer tipo a que ele se une, introduzindo nele cortes, capturas, um desejo sempre nómada e migrante, cuja principal característica é o «gigantismo»: foi o que exemplarmente mostrou Charles Fourier. Em suma, tanto os meios sociais como os biológicos, são objecto de investimentos do inconsciente, necessariamente desejantes e libidinais, que se opõem aos investimentos pré-conscientes de necessidade de interesse. A líbido como energia sexual é directamente investimento de massas, de grandes conjuntos e de campos orgânicos e sociais. Não percebemos bem em que princípios é que a psicanálise apoia a sua concepção do desejo, quando supõe que a líbido tem que se dessexualizar e até que se sublimar para proceder a investimentos sociais, e que, inversamente, só no decurso de processos de regressão patológica é que os re-sexualiza. A não ser que o postulado dessa concepção seja ainda o familiarismo, que defende que a sexualidade só opera em família, e que tem de se transformar para investir conjuntos mais vastos. Mas na realidade a sexualidade está em todo o lado: no modo como um burocrata acaricia os seus dossiers, um juiz faz justiça, um homem de negócios faz circular o dinheiro, a burguesia enraba o proletariado, etc. E não é preciso recorrer a metáforas, tal como a líbido não recorre a metamorfoses. Hitler entesava os fascistas. As bandeiras, as nações, os exércitos e os bancos fazem tesão a muita gente. Uma máquina revolucionária não é nada enquanto não adquirir pelo menos tanto poder de corte e de fluxo como estas máquinas coercivas. Não é por extensão dessexualizante que a líbido investe os grandes conjuntos, mas sim, ao contrário, por restrição, blocagem e rebatimento ela é determinada a recalcar os seus fluxos para os conseguir reter em células estreitas do tipo «casal», «família», «pessoas», «objectos». E é evidente que essa blocagem está necessariamente fundamentada: a líbido só passa para a consciência se estiver relacionada com um corpo qualquer, com uma pessoa qualquer que ela toma como objecto. Mas até a nossa «escolha de objecto» remete para uma conjunção de fluxos de vida e de sociedade que esse corpo, essa pessoa, interceptam, recebem e emitem, sempre num dado campo biológico, social, histórico, no qual também nós estamos e com o qual comunicamos. As pessoas que amamos, inclusive as pessoas parentais, apenas intervêm como pontos de conexão, de disjunção e de conjunção de fluxos cujo teor libidinal de investimento propriamente inconsciente traduzem. Sendo assim, por muito fundamentada que esteja a blocagem amorosa, ela muda de função conforme conduza o desejo para os impasses edipianos do casal e da família ao serviço das máquinas repressivas ou, pelo contrário, condense uma energia libidinal capaz de alimentar uma máquina revolucionária (e foi ainda Fourier que compreendeu tudo isso, ao indicar as duas direcções opostas da «captação» ou da «mecanização» das paixões). Mas é sempre com mundos que fazemos amor. E o nosso amor dirige-se à propriedade libidinal que o ser amado tem de se fechar ou abrir a mundos mais vastos, massas e grandes conjuntos. Os nossos amores têm sempre algo de estatístico, e das leis dos grandes números. E não será assim que é preciso entender a célebre fórmula de Marx: a relação do homem e da mulher é «a relação imediata, natural e necessária do homem com o homem»? Ou que a relação entre os dois sexos (o homem com a mulher) é unicamente a medida da relação de sexualidade em geral enquanto investe grandes conjuntos (o homem com o homem)? E assim se percebe aquilo a que se chamou a especificação da sexualidade nos sexos. E não se deveria também dizer que o phallus não é um sexo, mas toda a sexualidade, isto é, o signo do grande conjunto investido pela líbido, donde derivam necessariamente ao mesmo tempo os dois sexos, tanto na sua separação (as duas séries homossexuais do homem com o homem, da mulher com a mulher) como nas suas relações estatísticas no seio desse conjunto?»

Gilles Deleuze, Félix Guattari, O Anti-Édipo - Capitalismo e Esquizofrenia, trad. Joana Moraes Varela e Manuel Maria Carrilho, pp. 304-306, Assírio & Alvim, Lisboa, 1995.

MAIS MUNDO REAL

Um indivíduo com uma prótese na perna, de alcunha ‘Coxo’, é o maior assaltante de residências na zona de Lagos. Foi detido pela GNR, momentos depois de ter assaltado mais uma moradia numa urbanização na Herdade do Funchal, para onde se deslocara numa bicicleta a pedal. Quando o alerta foi dado, o ‘Coxo’ pedalava já em direcção à cidade, com uma mochila às costas cheia de artigos furtados. De acordo com as fontes do Correio da Manhã, o suspeito, apesar da sua deficiência motora, é "exímio a pedalar e a conduzir viaturas", bem como "a escalar muros" - o que, nos assaltos, faz frequentemente.

A piedade horroriza-me, a comiseração tortura-me, a complacência dá-me vómitos.

SAÚDE PÚBLICA

«Toda a gente sabe como é que começa uma massagem e ninguém sabe como é que ela acaba», diz Reis Ágoas, um comandante que quer proibir as massagens nas praias algarvias. Tem razão. Como homem do mar, saberá também que toda a gente sabe como começa um mergulho no mar e ninguém sabe como ele acaba. Proíbam-se os mergulhos no mar. A preocupação com a saúde pública está a ficar doentia.

O MUNDO REAL

Um homem baleou os vizinhos por estar convencido que um deles andava a sodomizar o seu gato. Foi condenado a cinco anos e seis meses de prisão efectiva:

O tribunal deu como provado que, em 27 de Outubro de 2007, José Correia pediu a Anabela Cruz Silva (atingida pelos disparos), que se encontrava no pátio das habitações, que o ajudasse a resgatar o seu gato que havia fugido para um terreno contíguo. O vizinho José Pedro Macedo, que estava à janela da sua habitação e se apercebeu da situação, prontificou-se a ajudar no resgate. Quando José Correia viu José Pedro a tentar apanhar o gato começou a proferir expressões injuriosas sobre a sua orientação sexual. Assim que consegue capturar o animal, o vizinho de José Correia desloca-se para a habitação do arguido, ficando Anabela Cruz no pátio, onde foi atingida pelos disparos de uma pistola Browning, de calibre 6.35, pertencente ao arguido. Provou-se que José Correia acreditava que a pessoa no pátio era José Pedro e estava convicto de que "este era homossexual e que pudesse ter havido contactos de natureza sexual entre o vizinho e o gato".

PESADELO A CORES

Publicado a preto e branco na Big Ode #5.
Maria João

BOM DIA

Laurie Anderson e Lou Reed.

VIDA SEM VIDA


Espíritos e ilusões morreram,
A consciência nua vive
No belo de inanimadas coisas.

Flores fenecem, murcha a erva, a árvore seca,
A floresta ardeu;
A rocha não ardeu.

Morre o veado à míngua; e do Inverno os pássaros
Morrem nos seus ramos e caem
Sobre a neve, na alvorada pálida.

Os homens sofrem privações que os tornam
Curiosamente ignóbeis; a prosperidade
Tornara-os curiosamente vis.


Tradução de Jorge de Sena.

Robinson Jeffers
Robinson Jeffers nasceu a 10 de Janeiro de 1887 em Allegheny, na Pensilvânia. Criança prodígio, interessou-se desde muito cedo pelos clássicos gregos e latinos. Estudou na Suiça, formou-se em medicina na Universidade da Califórnia e viveu a maior parte da sua vida em Carmel, na costa pedregosa da Califórnia. Levou uma vida relativamente solitária, apesar da relação algo escandalosa com Una Call Kuster. Autor de vários livros de poesia, fez-se notar pelos seus poemas épicos. Estreou-se em 1912, com Flagons and Apples. Faleceu a 20 de Janeiro de 1962.

BOA NOITE

Georgia O'Keeffe e Alfred Stieglitz.

28.7.08

O pensamento nas mãos #14



Kissin a tocar o Adagio sostenuto do Concerto nº2 para piano e orquestra de Rachmaninov.

Maria João

BOM DIA

Robert Frost e Elinor White.

LUGARES DESERTOS

Neve caindo e a Noite tão depressa,
Tão depressa, no campo onde passei,
Quase coberto de macia neve,
Algum restolho só a distinguir-se.
Os circundantes bosques têm-na — é deles.
Os animais se encolhem pelas tocas.
Vago demais eu vou para contar;
A solidão me inclui sem que eu o saiba.

Solitária como é tal solidão
Sê-lo-á bem mais, por menos que antes seja
— Alva brancura da nocturna neve
Sem expressão, sem nada que exprimir.

Ninguém me assusta com o vazio espaço
Entre as estrelas sem humanidade.
Tenho dentro de mim, e bem mais perto
Com que assustar-me: o meu próprio deserto.

Tradução de Jorge de Sena.

Robert Frost


Robert Frost nasceu em São Francisco, a 26 de Março de 1874. Após a morte do pai, mudou-se com a mãe para a Nova Inglaterra, onde passou a maior parte da sua vida. Publicou os primeiros livros de poemas quando vivia em Inglaterra: A Boy’s Will (1913) e North of Boston (1914). Mudou-se para Cambridge em 1941, após o falecimento da sua esposa e o suicídio da filha Carol. Proferiu inúmeras conferências, conheceu grandes escritores tais como Pound, Yeats, Auden, etc. Além de poesia, escreveu teatro, ensaios e histórias. Faleceu no dia 29 de Janeiro de 1963.

BOA NOITE

June Carter Cash e Johnny Cash.
(por Annie Leibovitz)

26.7.08

BOM DIA

Martin Heidegger e Elfriede Petri.

BOA NOITE

Marie e Pierre Curie com a filha Irène.

25.7.08

BOM DIA


Sylvia Beach e James Joyce.

BOA NOITE

Francis Bacon e George Dyer.

24.7.08

THE DARJEELING LIMITED



The Darjeeling Limited (2007) estreou nas salas portuguesas logo no início do ano. Vi-o ontem, numa sala portuguesa bem mais confortável que a maioria das salas de cinema portuguesas. Depois do engraçado The Life Aquatic with Steve Zissou (2004), Wes Anderson (1969) dá continuidade a uma estética colorida e bem-humorada com derivações sobre temas fundamentais. O filme começa com uma curta-metragem, à semelhança do que acontecia no histórico Monty Python’s The Meaning of Life. Não obstante, o registo humorístico de Wes Anderson é incomparável, de tal forma subtil que se arrisca a passar despercebido. Começa na caracterização das personagens, passa pelos diálogos e atinge-nos em planos de uma leveza extasiante. Bill Murray aparece logo no início, numa cena onde não tem pernas para apanhar um comboio em andamento (só no final voltamos a saber dele, sem nunca sabermos muito bem por que ali andou); quem o consegue apanhar é Adrien Brody, um jovem deprimentemente colado a alguns dos objectos pessoais do seu falecido pai; e há uma personagem secundaríssima com uma doença em que é preciso rapar o cabelo, mas ele não rapa porque já é careca… São meros apontamentos irónicos que condimentam as divagações do argumento. Após um acidente quase fatal, o mais velho de três irmãos organiza uma viagem espiritual de reconciliação com os dois irmãos mais novos, os quais já não se falavam desde a morte do pai. Embarcam no Darjeeling Limited, um comboio que irá transportá-los por terras da Índia num itinerário de templos e de rituais meticulosamente preparados. A viagem não corre lá muito bem e os três irmãos acabam literalmente desterrados. Confrontados com a impossibilidade de reconciliação, provavelmente por não conseguirem confiar uns nos outros, pensam regressar às suas vidas. O mais novo escreve short stories e não atina no amor, o do meio vai ser pai e anda nervoso com o facto, o mais velho recupera de um acidente de mota que o deixou desfigurado. No entanto, ainda antes do regresso, resolvem cumprir um dos objectivos da viagem: visitar a mãe, há muitos anos convertida em freira numa comunidade residente nos Himalaias. De facto, reencontram-na fisicamente; mas espiritualmente é outra pessoa, o corte com o passado não a trará de volta. Será no seguimento deste "reencontro" que os irmãos restabelecerão a confiança e os laços de amizade. Talvez tenham finalmente entendido que, por ser irrecuperável, o passado não pode hipotecar o futuro. A cena final chega a ser épica: os três correm atrás do comboio, o comboio da vida, e vão largando pelo caminho as malas de viagem. Todos eles viajavam com as antigas malas de viagem do falecido pai. A libertação daquele objecto é a libertação do que os separou no passado, é o princípio de uma nova vida. Basicamente, pode ser entendido como o princípio de uma reconciliação, não apenas de uns com os outros, mas consigo próprios.

QUINTA DA FONTE

Concordo, em absoluto, com o GAF: A discussão resume-se a Quinta da Fonte-Integração social-Guetos-A culpa é sempre dos outros (sendo que os “guetos” se afloram muito de passagem), esquecendo-se os inteligentes que, para integrar as minorias, é preciso integrar primeiro a maioria pobre* (uma grande, grande maioria, uma absoluta maioria). Personagens locais como o inefável Raposo da Amadora ou o inefável Teixeira de Loures têm de convencer-se de que há mais coisas na política e no serviço público do que a carreira político-partidária. E o facto de seres filho da cavalaria, cidadão, não te dá o direito de seres estúpido como um general.

*Esta frase já causou confusão (3 mails). Integrar uma minoria noutra minoria é estúpido (dois guetos no mesmo espaço). Para acabar com o gueto é preciso integrar as minorias na maioria (em França funcionou nalgumas mairies - de direita e de esquerda). Mas a maioria é pobre, tão pobre como as minorias, por isso a política geral deveria ser integrar, primeiro ou concomitantemente, a maioria pobre (incluindo as minorias, em pé de igualdade) numa sociedade mais justa e digna. Enfim, devia pagar-se mais a quem trabalha e a quem quer trabalhar e não pode. Quem não trabalha porque não quer - traficantes de droga e de armas - , sejam brancos, pretos, ciganos... há a lei, em princípio igual para todos, menos para os dirigentes desportivos.

BOM DIA

Vitor Vicente e Cristiane Emília Pasquini.

Micro #13


Ele entrou no bar e dirigiu-se aos seus amigos. Ela reparou na geografia dos seus pés e pensou: é sem dúvida uma hiperficção de palavras. Aproximou-se então dele. Ele reparou nos seus olhos de mar negro e perguntou: queres beber alguma coisa? Ela respondeu: eu quero beber o cenário dos teus pés. E foi assim que a geografia dos pés se tornou uma hiperficção de palavras com o mar negro no cenário.

Maria João

BOA NOITE

Priscilla e Elvis Presley.

23.7.08

MORRO E DESISTO. DESISTIR NÃO É A MELHOR FORMA DE NOS COMPADECERMOS?

Se pudesse levava-te no meu bolso, junto ao coração da ilha onde te habitei por um minuto longo. E copulava contigo como um mar de algas copula com os duendes das florestas que costumas imaginar. E vivia na tua imensa loucura na brevidade daquela paz que sabes devolver. E reunia os meus dedos todos, sete, mais sete, mais sete, mais, e colocava-os nos teus cabelos a fim de se tornarem fortes, prenhes, erectos. E depois havia de te cobrir de desejos, de várias cores, azuis, amarelos, vermelhos. E jogava aos berlindes, contigo. E a felicidade, de tão pálida, haveria de se envergonhar de não saber ser gente.


Cecília Barreira

Cecília Barreira nasceu em Lisboa em 1957. Professora de Cultura Contemporânea na Universidade Nova de Lisboa, publicou diversos ensaios e livros de poesia. Neste domínio, estreou-se em 1984 com Lua Lenta. Seguiram-se A Sul da Memória (1987), Memórias de uma Deusa do Mar (1995), 15 anos de Alguma Poesia (1999), 7&10 (2003) e Cartas BD (2005). »

O pensamento nas mãos #13


Para a Inês Lourenço




Horowitz a tocar as Cenas de infância Op.15 de Schumann

Que sugeriu esta peça interpretada precisamente por Horowitz. As “Cenas de Infância” foram compostas em 1838, ao mesmo tempo que as “Kreileriana”. Segundo Michel Schneider, a música escrita por Schumann nesta época eram cartas secretas enviadas a Clara Wieck, o seu amor e também a primeira pianista mulher célebre no seu tempo. Assim, deixo aqui também as palavras do próprio Schumann, endereçadas a Clara:
“Eu descobri que nada me aguça a imaginação como escutar e languescer-me de qualquer coisa. É o caso dos últimos dias. Eu escutei a tua carta, e por consequência compus um volume de coisas loucas, maravilhosas e solenes. Quando tu as tocares vais arregalar os olhos. De facto, existem momentos onde eu rebento música. Mas, antes que me esqueça, deixa-me dizer-te que compus outra coisa. Talvez seja um eco do que me disseste uma vez, que ‘por vezes te parecesse uma criança’. Por isso, fiquei subitamente cheio de inspiração e escrevi uma trintena de pequenas peças donde extrai doze e chamei-lhes ‘Cenas de Infância’.”

In Michel Schneider, Musiques de Nuit, Edition Odile Jacob, Paris 2001, p-39

Maria João

BOM DIA

Luciano Berio e Cathy Berberian.



Com uma pequena excepção para confirmar a regra.

CHANGUITO

m. carro manual provisto por los supermercados para que los clientes transporten la mercadería dentro del establecimiento. [El DLHA da chango 'niño, muchacho' y, lo que viene a cuento, 'changuito' y una definición similar a laque ofrezco de changuito; sin embargo, define esta palabra solo como 'carro pequeño de dos ruedas que se lleva al mercado para transportar las compras'. En realidad se usan indistintamente las dos palabras para nombrar ambos elementos. El DRAE trae una acepción de chango con marca de argentinismo, 'carrito que se lleva para cargar las compras'].

In 1000 Palabras que se usan en la Argentina Y no están en el Diccionario del Habla de los Argentinos.

BOA NOITE

Robert Schumann e Clara Josephine Wieck.

22.7.08

O MAGNÍFICO INGLÊS

Dos nossos vizinhos. Aqui. E, já agora, muito agradecido por estes micropoemas.

"O APELO DO SOBRESSALTO"

Tirei parte do dia para apagar e-mails, versão moderna de queimar cartas. Dizem existir nos escorpiões uma tendência regenerativa que se manifesta em impulsos destrutivos tendo em vista uma reconstrução permanente da vida. É provável que tenhamos nascido marcados pelo estigma de Sísifo, o deus refractário que acabou condenado a uma missão impossível. No caso, a missão impossível é a reconstrução permanente da vida. Porque a vida não se reconstrói, apenas se constrói – mesmo quando se destrói. É sempre um andar para a frente sem retorno possível ao passado que vai ficando arrumado no estômago voraz do esquecimento. Hoje, ao queimar umas boas duas centenas de e-mails, deparei-me com muitas dessas iguarias esquecidas que vão alimentando o grande monstro. Vou continuar a queimar muitas daquelas ilusões, contactos, pedidos, elogios, sugestões, convites, algumas mensagens engraçadas de leitores ofendidos, uma ou outra ameaça – chamam-lhe hate mails, mas eu, que respeito muito o hate, vejo sempre neles uma paixão indisfarçável -, gente que me chega com intrigas, outros pedindo-me equivocadas satisfações, polémicas, declarações de amor – chamam-lhe love mails, mas eu, que respeito muito o love, vejo sempre neles uma paixão indisfarçável -, leituras simpáticas, contribuições, ofertas de trabalho, etc, etc, etc… Tenho tido sorte. Uma sorte que está longe de ser uma fortuna, mas não me posso queixar. Levo cinco anos desta coisa dos weblogs. O meu primeiro post foi publicado, precisamente, a 22 de Julho de 2003, poucos meses depois de ter publicado um livro intitulado Antologia do Esquecimento e de me ter nascido a primeira filha. Foi um ano que mudou a minha vida, esse ano de 2003. O primeiro post, assinado com o nick OMOero, intitulava-se Um saco de roupa suja; apareceu no meteórico weblog A Máquina de Lavar Sopa. Logo a seguir fiz muitas promessas e arrependi-me imediatamente: eu prometo nunca mais queimar o dedo indicador, prometo cagar baixinho, prometo ser bom pai e bom marido e bom dono de cão, prometo ir às ilhas um dia destes, prometo ler todos os livros do Santo Agostinho, prometo nunca mais ligar a televisão em dias de sol, prometo beber na medida do possível tanto quanto o fígado admitir, prometo ser amigo das melgas, prometo ficar à frente no concerto do Tarzan Boy, prometo dizer bem dos meus amigos aos meus maiores inimigos – eu tenho inimigos, são parecidos com os meus amigos –, eu prometo dinamitar a terra do nunca, ir à pesca com o Luís um destes dias, nunca mais dizer mal do rock que se faz nas Caldas, eu prometo ser um cidadãozinho competente, daqueles que quando são chamados a intervir atam bem as solas para não escorregar, eu prometo-me por ti adentro quando tu deixares, eu prometo... limpar-me a seco. De certa forma, é o que tenho vindo a fazer desde então. Limpar-me a seco. E tem sido a limpar-me a seco que a sorte me tem batido à porta, que muita gente tem caído no correio electrónico a dizer coisas como esta: já abri a caixinha dos comentários mais de mil vezes. Deixo lá uma pequena lágrima de cada vez, tão pequena que não se vê. Plena de emoção. É um e-mail de 29 de Janeiro de 2005. À época eu chamava-me Juraan Vink e o weblog, cujo fim estava anunciado, era o Universos Desfeitos. Obedecendo aos tais impulsos “escorpiónicos”, o universo foi desfeito. O e-mail tem sobrevivido estes anos todos, esquecido entre outros milhares de e-mails que ando agora a apagar. Mas ainda ontem recebi um que me comoveu bastante, e, ao lê-lo, pensei mais uma vez na sorte que tenho tido e no miserável que sou sempre que me queixo da sorte que não tenho. Há um percurso humano a construir-se nestas redes virtuais, há uma história no começo e nós estamos a ser parte integrante dela. Daqui a uns anos, daqui a uns bons anos, quando a Internet for uma ferramenta comunicacional obsoleta, haverá quem olhe para os e-mails que agora apago como eu olho hoje as cartas que escrevi às primeiras namoradas. Verão nesses e-mails manifestações de afecto que a palavra imprime no espaço sobressaltado do reconhecimento. Vistos de perto, parecem meros e-mails. Olhados à distância, são uma nova caligrafia onde podemos reconhecer o rosto dissimulado, íntimo, de quem diariamente sai para a rua disfarçado com o seu próprio corpo. São uma nova teia afectiva em amena deflagração. São um constante "apelo do sobressalto".

AS SOBRANCELHAS PARABÓLICAS? A COMISSURA DOS LÁBIOS?

Uma breve alegria que os olhos rasgados traíam e os lábios romanos suprimiam? Assim quem se fode és tu.

UMA PRAGA

É uma praga que atravessa todo o jornalismo: desde o pivot do noticiário que faz um comentário pessoal a uma notícia qualquer (às vezes é só um sorriso malandro ou um levantar do sobrolho), passando pelo tipo da rádio que quase obriga as pessoas que para lá telefonam dizerem o que ele quer que seja dito, acabando nas notícias dos jornais inundadas de opiniões pessoais… É claro que todos já sabemos que a objectividade “pura” é impossível, mas ao menos o jornalista poderia fazer um esforço (e, às vezes, não é assim tão difícil). Porque razão tenho eu — que apenas quero ser informado — de sentir que me estão a tentar enfiar patranhas pela cabeça dentro!? Uma coisa é o artigo de opinião, outra bem diferente deve ser o jornalismo. Custa assim tanto fazer uma reportagem minimamente objectiva, ou será que vamos continuar a ter de aturar as opiniões dos jornalistas? Uma praga!

"E VOCÊ, CARO LEITOR, SE FOSSE TAXISTA, QUANTO COBRARIA?"

Esta pergunta, colocada pela Alexandra, merece-me uma resposta sugerida pela própria Alexandra. Confessa a autora de Animais Domésticos que apesar de viver numa casa com muitos discos de Leonard Cohen, não acha que ele seja «um dos maiores artistas de sempre». A Alexandra prefere Proust e Miguel Ângelo. Eu, não pretendendo destoar, prefiro o são-tomense João Carlos Silva a qualquer um dos supracitados. Mas já ouvi muito Cohen, já lhe li uns tantos poemas e um romance algo entediante. E há um álbum que continuo a sentir com o mesmo deleite de sempre. Chama-se Songs From a Room, que prefiro a todos os da fase pós-I’m Your Man e a outros, igualmente bons, da década de 1970. Sendo assim, cara Alexandra, se eu fosse taxista cobraria uma das canções desse álbum. Pode ser logo a primeira:


YOU'RE NOT HUMAN TONIGHT


Depois de Psykitsch Kaleidoscope (2004), os The Great Lesbian Show regressam com You’re Not Human Tonight (2008). Pode parecer pouco para uma banda com dezasseis anos, mas, em ambos os casos, é muito bom. Se no primeiro álbum tivemos o prazer de reencontrar canções rodadas e batidas nos palcos incendiados pelo show lésbico da banda de algures, neste segundo registo o efeito novidade é uma constante. A postura provocadora e “fracturante” começa na capa, prolonga-se na contracapa e respira nos catorze temas reunidos nesta colectânea. You’re Not Human Tonight abre com um conto de fadas para adultos, uma história de agitar os músculos e, com a ajuda de programações, abalançar o corpo numa dança frenética que se prolongará pelos temas subsequentes. Há diálogos hilariantes entre guitarras funky e ritmos ska, linhas de baixo cativantes, um irresistível apelo para um universo irónico duchampiano que consegue fazer evoluir guitarras em distorção no sentido de uma bossa nova amena. É o mapa surreal da contracapa, Alcobaça entre San José e Lourenço Marques, com o Bairro Alto mergulhado num afluente do Amazonas, o Ribatejo ao lado de Chicago e Fátima elevada a capital de distrito. Em tempos de globalização, não há fronteiras a delimitarem os territórios da música. O território da música é transfronteiriço, pode fazer namorar o western com precursões diversas, frases de samba com influências cinematográficas, o chamado surf rock com o poder sónico de Let’s merrily crush them and celebrate our victory over cheap wine, loose women and willing men. Grande título! E preparem-se: O Lavrador d’Almas, cantado na língua de Camões, é uma magnífica “sátira” às tradições clericais portuguesas, tocada à moda de um tradicional luso em registo xamânico. Confusos? Ouçam que logo “ouverão”. Mas não é tudo. Há ainda espaço para mais contos de fadas grotescos, poesia sonora à maneira de um Décio Pignatari, melodias à base de zunidos de mosquitos, experiências com a chanson française, pozinhos de Gainsbourg e um enérgico instrumental onde se faz política do apolítico: Cowmunism. Fecha este tomo com uma incursão pelo drum’n’bass numa remistura de Arapahoa, tema do primeiro disco. Agora vou ali ao Samouco, que fica entre o Parque Mayer e Cannes, passear os delírios como quem dança alucinadamente ao som das pistolas de John Wayne.

THE GREAT LESBIAN SHOW em casa; The Great Lesbian Show no MySpace.

BOM DIA

Ike e Tina Turner.

BOA NOITE

Fanny Ardant e Francois Truffaut.

21.7.08

MICROBIOLOGIA #29

O AMOR DE HARRY

Olhou-a ali deitada, arrebatado pelas suas curvas sensuais, pelo seu resplendor dourado. Mas era a sua voz que realmente mexia com ele – por vezes suave e sexy, outras vezes naturalmente selvagem. Qualquer que fosse o seu estado de espírito, ela não destoava.
Levou-a afectuosamente até aos seus lábios. Esta noite farão bela música juntos, Harry e a sua trompete.

Bill Horton
(Versão de HMBF)

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FISSURA ANAL


«Em Cuba, quando um homem refere a outro, com ar ufano, «Já tive esta mulher!», está a querer dizer que teve com ela não só relações vaginais «normais», mas também penetração anal – as relações sexuais «normais» são ainda consideradas uma forma de carícia, de preliminares, e só a penetração anal representa a relação sexual plenamente consumada. Por que razão isto é assim? Porque a vagina é considerada uma cópia pálida e distorcida do orifício anal: o ânus é de certo modo como a Ideia Platónica pura (um buraco redondo nítido e simples, sem pêlos nem fendas), enquanto a vagina é a sua realização material distorcida, plena de protuberâncias e excrescências, longe da simplicidade ideal daquele.»

Slavoj Zizek, Lacrimae Rerum, A Teologia Materialista de Krzystof Kieslowski, p. 26, trad. Luís Leitão, Orfeu Negro, Lisboa, 2008.

BOM DIA

Ian Kevin Curtis e Deborah Wooduff Curtis.

20.7.08

O pensamento nas mãos #12


Para a Sofia Lourenço


Martha Argerich a tocar o Romance do Concerto para piano e orquestra nº1 em mi menor de Chopin

Que tem acompanhado esta série com enorme entusiasmo e deixou este comentário no post anterior:

CHOPIN: UM INVENTÁRIO

Quase sessenta mazurkas; cerca de trinta estudos;
duas dúzias de prelúdios; uma vintena de nocturnos;
umas quinze valsas; mais de uma dúzia de «polonaises»;
«scherzos», improvisos, e baladas, quatro de cada;
três sonatas para piano; e dois concertos para piano e orquestra,
uma "berceuse", uma barcarola, uma fantasia, uma tarantela, etc.,
além de umas dezassete canções para canto e piano; uma tuberculose mortal;
um talento de concertista; muitos sucessos mundanos; uma paixão infeliz;
uma ligação célebre com mulher ilustre; outras ligações sortidas;
uma pátria sem fronteiras seguras nem independência concreta;
a Europa francesa do Romantismo; várias amizades com homens eminentes;
e apenas trinta e nove anos de vida. Outros viveram menos, escreveram mais,
comeram mais amargo o classicamente amargo pão do exílio, foram ignorados
ou combatidos, morreram abandonados, não se passearam nas alcovas
ou nos salões da glória, confinaram-se menos ao instrumento que melhor
[dominavam,
e mesmo foram mais apátridas sofrendo de uma pátria que não haja.
Além disso, quase todos escaparam mais à possibilidade repelente
de ser melodia das virgens, ritmo dos castrados,
requebro de meia-tijela, nostalgia dos analfabetos,
e outras coisas medíocres e mesquinhas da vulgaridade, como ele não. Ou de ser
prato de não-resistência para os concertistas que tocam para as pessoas que
[julgam
que gostam de música mas não gostam. Ainda por cima
era um arrivista, um pedante convencido da aristocracia que não tinha,
um reaccionário ansiando por revoluções que libertassem as oligarquias
da Polónia, coitadinhas, e outras. E, para cúmulo,
a gente começa a desconfiar de que não era sequer um romântico,
pelo menos da maneira que ele fingiu ser e deixou entender que era.
Uma arte de compor a música como quem escreve um poema,
a força que se disfarça em languidez, um ar de inspiração
ocultando a estrutura, uma melancolia harmónica por sobre
a ironia melódica (ou o contrário), a magia dos ritmos
usada para esconder o pensamento - e escondê-lo tanto,
que ainda passa por burro de génio este homem que tinha o pensamento nos dedos,
e cuja audácia usava a máscara do sentimento ou das formas livres
para criar-se a si mesmo. Tão hábil na sua cozinha, que pode servir-se
morno, às horas da saudade e da amargura,
quente, nas grandes ocasiões da vida triunfal,
e frio, quando só a música dirá o desespero vácuo
de ser-se piano e nada mais no mundo.

Madison, 19/12/1966

Jorge de Sena, Poesia II, Arte de Música, pp. 184-185, Edições 70, Lisboa, 1988.
Maria João

16.7.08

AVISO À NAVEGAÇÃO

Nos próximos dias, andarei pela invicta a cheirar as águas do Douro e a fazer das tripas… refeição. O mais provável é o Insónia ir bater uma sorna até, pelo menos, Domingo próximo. Agradeço a todos a companhia canina. Se me virem pelo Porto, não hesitem em "palmar-me as costas". Sou parecido com o Clint na versão Bud Spencer. Saúde,

O pensamento nas mãos #11


Horowitz a tocar a balada nº1 de Chopin.

Maria João

BOM DIA


Julio Cortázar e Carol Dunlop.


*Abro uma pequena excepção, só para confirmar a regra. Desta feita, a imagem segue em movimento.

SILLY SEASON

Tales de Mileto caiu para dentro de um poço enquanto caminhava distraído a contemplar os astros. Os Pitagóricos, que tinham da música uma concepção essencial, julgando a astronomia uma teoria da música celeste, não comiam carne porque receavam poder “devorar o corpo de um parente ou de um amigo reincarnado num animal”. Curioso que Heraclito julgasse Pitágoras o rei dos tagarelas. Conta Diógenes Laércio que, depois de ter contraído hidropisia, em coerência com a sua teoria segundo a qual o fogo era o elemento a partir do qual tudo se explicava, Heracltio “fechou-se num estábulo, pensando que o calor do estrume faria desaparecer a água que o atormentava”. Xenófanes de Cólofon teve uma vida errante e dedicou-se à poesia, queixando-se dos modos efeminados dos seus concidadãos e do desprezo votado aos filósofos em favor dos campeões do estádio. Atribuem-lhe a primeira tentativa de desmitologização. Empédocles foi um vagabundo que se reclamava capaz de dar ordens à própria morte. Conta-se que curava a cólera recitando versos da Odisseia, acreditava no poder curativo da música e ressuscitou uma mulher que já não respirava há trinta dias. O fenómeno explica-se, na actualidade, atribuindo à mulher um problema de histeria. Diz a lenda que mergulhou na cratera do Etna com o objectivo de se purificar no fogo. O Etna terá cuspido uma das suas sandálias de bronze. Zenão de Cício, fundador do estoicismo, foi discípulo do cínico Crates, que certo dia o submeteu a uma prova para o ensinar a desprezar a opinião pública: “achando-o muito reservado, deu-lhe um pote de puré de lentilhas para transportar através do bairro da Cerâmica; Zenão, confuso, tentou esconder-se; Crates partiu com uma paulada o pote, o puré derramou-se sobre as pernas de Zenão que fugiu muito envergonhado”. Homem tímido e reservado, este Zenão era um tipo generoso. Dava lições a qualquer um e não cobrava nada por isso. Certo dia, ao sair da escola, caiu e partiu um dedo. Tendo visto nisso um sinal, sacudiu a terra das mãos, estrangulou-se e morreu. Foi enterrado no bairro da Cerâmica. O seu sucessor, Cleanto, era tão pobre que escrevia em cacos e em omoplatas de boi os ditos do seu mestre. Morreu velho, recusando-se a voltar a comer depois de ter contraído um tumor numa gengiva. Perante tudo isto, não admira que Crisipo tenha morrido a beber vinho doce ou, segundo outra versão, “depois de ter rebentado a rir ao ver um burro a comer figos”.

Fontes: Jean Brun, Os Pré-Socráticos, trad. Armindo Rodrigues, Edições 70, Lisboa, 1991; O Estoicismo, trad. João Amado, Edições 70, Lisboa, 1986.

BOA NOITE

Julio Cortázar e Ugné Karvelis.

15.7.08

DUELO


Adão andava cabisbaixo nos corredores monótonos do jardim. Pressentindo a solidão do homem, Deus resolveu oferecer-lhe uma alegria. Rasgou-o, arrancou-lhe uma costela e daí criou a mulher. A mulher nasceu da tortura do homem, com o intuito de lhe ocupar os tempos livres e de trazer alguma rambóia ao Paraíso. De um parto assim coisa boa não era de esperar. As relações entre homens e mulheres hão-de ficar invariavelmente marcadas pela depressão pós-parto que atingiu Adão, o qual só não se suicidou por reverência e respeito a Deus. Mas o mundo nunca mais foi o mesmo. Os homens quiseram dominar as mulheres e, vendo-se muitas vezes por elas dominados, optaram então por dominar-se a si próprios na relação com o género oposto. É sabido que as três grandes religiões monoteístas advogaram sempre o carácter maléfico da mulher, a sua impureza. Voltados para Deus, os homens tornaram-se menos humanos que as mulheres. Lúcifer, que descido à Terra não resistiu aos encantos da humanidade, foi o único a ver na mulher aquilo que ela realmente é: o ser humano por excelência. Mas os homens, muito menos lúcidos que o anjo predilecto do Senhor, viam na mulher um animal perigoso. Impunha-se domesticar o animal. Inventaram, então, o casamento. O casamento resulta de uma misoginia ingénua, ou seja, um ódio à mulher que procura resolver-se na fé do amor. Mais vale casar-se do que queimar-se, diz-se na Primeira Carta aos Coríntios. Michel Onfray coloca bem o problema na sua Teoria do Corpo Amoroso, chamando a atenção para um ideal de vida que, temendo a concupiscência, os prazeres da carne, obriga os casais a «viverem a carne como se fossem um cadáver». Mas as ideias de casal, casamento e monogamia não têm na sua base apenas a intenção de um domínio sobre as inclinações da carne; elas são, antes de mais, fórmulas masculinas de exercitar o poder sobre a mulher. «Casar-se significa arranjar forma de lidar com a vida na base da ilusão, da mentira e da hipocrisia» - diz o filósofo francês. Mas se o casamento foi outrora uma tentativa de controlar a energia sexual, assim como uma manifestação de força do machismo sobre a mulher subjugada, o que é ele agora? A chamada libertação das mulheres trouxe-lhes, entre outras regalias, a possibilidade da libertinagem. Os bordéis já não são exclusivos do macho, a separação e o divórcio, assim como as novas formas de vida conjugal, a infidelidade, estão amplamente vulgarizados, a troca de casais, a ressurreição em força das orgias, são típicas de uma sociedade que vive muito mais voltada para o corpo, para os prazeres do corpo, que valoriza o deleite sexual em detrimento da constância matrimonial, contra «a morte do desejo, a condenação do prazer, uma desvalorização total da vida». Não acreditando já em paraísos metafísicos, homens e mulheres procuram concretizar na Terra os seus próprios ideais paradisíacos, a sua vida. No entanto, todo este cenário parece artificial. Quer na chamada libertação das mulheres, quer na ambição de domínio dos homens, o que está em causa, o que está sempre em causa, é a forma como conquistamos a nossa liberdade, a liberdade individual, e como essa liberdade pode ser conjugada com o desejo. O desejo faz-nos sentir amarrados, faz-nos sentir presos ao objecto desejado. Perante este sentimento, temos duas hipóteses: amarrar o outro ou não nos deixarmos amarrar pelo outro. Em ambos os casos, estamos a iludir a nossa liberdade. Ninguém é mais livre por satisfazer mais ou menos os seus desejos, até porque a intensidade do desejo varia muito de indivíduo para indivíduo. Há quem se satisfaça com pouco, há quem não passe sem muito. O donjuanismo não garante mais liberdade, garante apenas mais dores de cabeça. O problema reside na domesticação da vida, não no sentido de uma renúncia, mas no sentido de uma demarcação territorial que imporá os limites dentro dos quais a liberdade pode ser afirmada. Seja qual for a vida que cada um quiser levar, o problema reside, desde sempre, na ideia de que somos animais domésticos, domesticáveis, que é essa domesticação que garante a liberdade enquanto desvio, mais ou menos radical, da norma estabelecida. Creio que a vida é como um duelo entre o desejo e a liberdade, tendo um cemitério em plano de fundo, que se concretiza na capacidade de jogar a própria vida. Cada qual joga com as armas que tem. Mas haverá sempre aqueles que apenas estão na vida para cavar os buracos onde os mortos serão enterrados.

BOM DIA

Dorothy Léger e Saint-John Perse.

BOA NOITE

Maria Bonita e Lampião.

TERMÓMETRO DO AMOR

Parto do princípio que não aconteça apenas comigo. Entro de visita num weblog e abre-se o termómetro do amor numa janela ao lado. É um termómetro com um som ridículo, a lembrar as bolhas que fazia no leite quando o bebia por uma palhinha. Também podia ser o boneco do Pacman a comer bolinhas no labirinto enquanto é perseguido por terríveis inimigos com cara de Pirilampo Mágico. Hoje fiquei por alguns instantes a ouvir o termómetro do amor e a tentar perceber como funciona. As instruções são estas: insiro o meu nome e o nome do meu amor, faço o registo com o meu número de telemóvel e recebo prontamente o resultado da Temperatura do Nosso Amor. Convém que fique em maiúsculas, de tão escaldante que anda o coração. Mas que coisa é esta da temperatura do amor? Isto é mensurável? E se for, quem é que quer saber uma coisa destas? Quem é que precisa de saber se está com uma febre ligeira, como um vulcão prestes a entrar em erupção ou como as águas da praia da Figueira? O serviço não se fica por aqui. Se tivermos dúvidas quanto à Temperatura do Nosso Amor, podemos sempre tentar ligar para o número de apoio ao cliente. Isso mesmo. A Temperatura do Nosso Amor já tem um serviço de apoio ao cliente. Está lá, daqui fala Ósmia Sampaio. Em que posso ajudá-lo? Estou frigido. Posso saber o seu nome. Hermenegildo. Senhor Hermenegildo, aguarde apenas um instante enquanto passo o assunto à minha colega especializada em questões de frigidez. O resto vocês já sabem. Se não sabem, podem encomendar os conteúdos eróticos para o telemóvel. São igualmente servidos pelo Termómetro do Amor. Digamos que se trata de um termómetro multifunções.

14.7.08

RUBAIYAT

1
Todos sabem que eu nunca murmurei uma oração
Todos sabem que nunca tentei dissimular os meus defeitos.
Ignoro se existe uma Justiça e uma Misericórdia...
Entretanto, tenho confiança, porque sempre fui sincero.

2
Que vale mais?
Sentar-se numa taberna e fazer exame de consciência
ou ajoelhar-se na mesquita, de alma fechada?
Nada me preocupa saber se temos um Senhor
e que fará ele de mim, no final.

5
Uma vez que ignoras o que te reserva o dia de amanhã,
procura ser feliz, hoje.
Toma uma ânfora de vinho, senta-te ao luar e bebe
lembrando-te que, talvez amanhã, a lua te procurará em vão.

10
Como é vil o coração que não sabe amar,
que não pode embriagar-se de amor!
Se não amares, como poderás apreciar
a deslumbrante luz do sol e a doce claridade do luar?

26
O vasto mundo: um grão de poeira no espaço.
Toda a ciência dos homens: palavras.
Os povos, os animais e flores dos sete climas: sombras.
O resultado da tua perpétua meditação: nada.

35
Eu tinha sono.
A Sabedoria disse-me: «As rosas da Felicidade nunca perfumam o sono.
Em vez de te abandonares a esse irmão da Morte,
bebe vinho. Tens a eternidade para dormir.»

37
Não posso divisar o Céu, com demasiadas lágrimas a toldar-me os olhos.
Os fogos do Inferno são apenas uma ínfima centelha,
quando os comparo às chamas que me devoram.
O Paraíso, para mim, é um instante de paz.

41
Esquece que ontem devias ser recompensado e não o foste.
Sê feliz. Não lamentes nada. Não te prendas a nada.
O que deve acontecer-te está escrito no Livro
que o vento da Eternidade folheia ao acaso.

60
Cairemos no caminho do Amor.
O Destino há-de espezinhar-nos.
Ó rapariga, ó minha encantadora taça, levanta-te
e dá-me os teus lábios, esperando que eu me transforme em pó.


Omar Khayyam, Rubaiyat - odes ao vinho, Trad. Fernando Castro, Pref. E. M. de Melo e Castro, Editorial Estampa, 3.ª edição, Lisboa, 1999.

O pensamento nas mãos #10


Horowitz a tocar Nocturno Op. 55 de Chopin


Noite e música – O ouvido, órgão do medo, não pôde desenvolver-se tanto como o fez senão na noite ou na penumbra das florestas e das cavernas obscuras, segundo o modo de vida da idade do medo, quer dizer, da mais longa de todas as idades humanas: à luz, o ouvido é menos necessário. Donde a característica da música: arte da noite e da penumbra”.
Friedrich Nietzsche, Aurora (trad. Rui Magalhães), Rés-editora, p-159

Maria João

#1 #2 #3 #4 #5 #6 #7 #8 #9

BOM DIA

Christopher Isherwood e W. H. Auden.

TENTAÇÕES


O André partilha connosco uma lista, elaborada pelos críticos de cinema do The Times, onde são seleccionados 20 filmes “cujos finais (surpreendentes, aterradores, melodramáticos, etc.) marcaram a história do cinema mundial”. Lembrei-me logo do final do Ordet, decalcado por Lars von Trier em Breaking the waves. São finais milagrosos que fazem justiça ao cinema. Também gosto muito do final de Pierrot le fou, de Jean-Luc Godard. Há westerns com finais inesquecíveis. A lista seria, de facto, exaustiva. Não sei se mudaram a história do cinema, mas mudaram, em parte, a minha história: os finais de Papillon (1973) e de Thelma & Louise (1991). Sempre que os revejo, sinto-me tentado.

BOA NOITE

Gertrude Stein e Alice B. Toklas.

13.7.08

O POEMA

John Latham, God is Great # 1, 1989.

Tenho uma vaga imagem do circo que visitava o bairro. Era um circo pobre, ao pé da riqueza histriónica do próprio bairro. Tinha cães amestrados, malabaristas, ilusionistas e palhaços pobres. Todos os palhaços eram pobres naquele tempo, eram os palhaços perecidos “no rosto triste de Augusto”. Palhaços por mim herdados como se tivesse estado exposto a uma inevitável onda de contaminação. No bairro havia uma mulher que cozia pão todos os dias, uma taberna com um balcão de pedra mármore onde os penáltis de tinto eram batidos sem nunca quebrarem, havia uma mulher que personificava o queixume, um jogador de futebol titular no banco, uma mãe de oito filhos, um fadista itinerante, criadores de mulas que, aos olhos das crianças, pareciam cavalos puro sangue. As mesas eram de madeira, assim como as cadeiras. Sobre as mesas jogavam partidas de dominó os desempregados do dominó existencial que não arreda pé deste deserto. Porque só o sangue de um cavalo pode ser puro, o cavalo de um poema de cabelos grisalhos ao vento, o cavalo de um livro antigo a fazer-nos companhia no tiracolo da solidão. O meu sangue é o desses circos memoráveis, o sangue dos bairros onde os alguidares nunca cobriram o trabalho das facas. É o sangue cínico do “rosto triste de Augusto”. Nunca regresso a esses bairros por deles nunca ter saído, vivem no interior desguarnecido das minhas noites, acompanham-me sempre que me deito para ficar durante horas com os olhos colados ao tecto da insónia, a revolutear-me sobre a cama como se fosse um espírito inquieto perdido nos túneis do seu próprio covil. Ah! Se o bicho tivesse razão: «Eis o que revela um espírito inquieto: insegurança na apreciação própria, ambições pouco limpas, traços negros de carácter, que ainda mais se ensombram se pensarmos que o covil ali está e que nos pode dar paz, desde que consintamos em abrir-nos totalmente a ele». Mas não tem, o bicho estava errado, morreu dentro do estômago das suas próprias ambições. Porque as condições fazem toda a diferença, nenhum empréstimo pode incomodar mais do que o sabermo-nos há muito hipotecados. Caminhemos, então, na direcção das praias. Deixemos o corpo esturrar como se fosse uma bíblia lida pelo fogo divino. God is great. Mas queima. E os livros ardem nas suas mãos, mesmo quando incrustados no vidro glacial da esperança. Deus arde no imo do gelo, tal como os amantes na sombra da verdade, na sombra da árvore que está no meio do jardim, a morderem a maçã do pecado e a cuspirem os caroços contra a peçonha das serpentes. God is great. Dizem que escreve direito por linhas tortas. Sejamos todos as linhas onde ele escreve direito a nossa tortura.

O pensamento nas mãos #9



François René Duchâble a tocar o estudo transcendental op. 10 de Liszt

Maria João

VISITA DE ESTUDO

Hoje, uma visita ao “jardim budista” da Quinta dos Loridos, Bombarral. Entre vários comentários espiritualmente enternecedores, como o de um senhor que estava espantado com a quantidade de pedra por ali espalhada, esta solicitação irrecusável: “importa-se de me tirar uma fotografia ali em cima daquele boda?”

A DAY IN THE LIFE


O concerto de Neil Young encerrou com uma versão assombrosa de A Day In The Life, dos The Beatles. Foram, pelo menos, vinte minutos de absoluta explosão eléctrica, com Young a partir as cordas da guitarra, deixando em êxtase quem estava a assistir àquele exorcismo musical. Para trás tinham ficado temas como Oh, Lonesome Me, Heart of Gold, Old Man, The Needle and the Damage Done e Words, Get Back to The Country, Rockin' in the Free World e muitos outros. Neil Young tem um repertório prodigioso, podia ter continuado a tocar durante mais duas ou três ou quatro horas, com aqueles 62 anos de vida ainda em chamas, abraçado a Peggy Young, a sua lovely wife, e eu não me cansaria de o “ouver”. Em palco, além dos músicos, um pintor coloria algumas telas com os títulos das canções e desenhos muito simples. Nos ecrãs gigantes, o realizador brindava-nos com um plano magnífico de uma lua a cair sobre o Tejo, enquanto o homem da noite fazia-se acompanhar de uma harmónica e de um velho órgão para interpretar After the Gold Rush. Foi a segunda vez que vi Neil Young ao vivo. Tinha-o visto há uns anos no Festival de Vilar de Mouros. Está mais gordo, está mais velho, mas entrega-se com a mesma energia de sempre às suas canções. A day in the life, pois claro.

BOM DIA

Joan Baez e Bob Dylan.

MICROBIOLOGIA #28

A VERDADE É DESCOBERTA

A verdade é descoberta em sítios curiosos. Num bar, um bêbado expunha o que ele acreditava ser a verdade.
Um outro bêbado respondeu, “Acreditar é anterior à verdade.”
De copo de cerveja em riste, continuou, “Eu acredito que ao deixar cair este copo, ele partir-se-á. Para saber a verdade, tenho que o deixar cair.”
Para desespero do barman, a verdade foi revelada.

Michael W. Taylor
(Versão de HMBF)

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11.7.08

BOA NOITE

Aurora Bernárdez e Julio Cortázar.