20.9.08

BAIRROS BAIXOS

Contratei-me como detective de mim mesmo
para me perseguir pelas ruas interiores,
e tomo nota de infidelidades e movimentos falsos,
de cada traição que faço à minha pessoa.
Farejo o caixote do lixo como um cão
procurando pistas sobre os meus vícios,
perscruto em gestos e trejeitos acumulados,
entre palavras com as quais não disse o que penso.
Infiltro-me discretamente nas paixões baixas
que não me atrevo a confessar nem aos meus amigos
e tiro fotos comprometidas onde jazo
com homens e mulheres que não existem:
documentos esclarecedores que demonstram
uma dupla contabilidade de mim.
Não procuro aliviar a minha consciência
nem libertar-me dos meus pecados,
mas é impossível tocar na água sem revelar o lodo do fundo.
A gama não está completa se faltam as cores escuras,
e no seu caderno o investigador também anota
dias em que o sol resplandeceu.
Espio-me em silêncio pelas ruas
e desejo não resolver este caso.
A morte para um detective de si mesmo
é saber tudo do homem que persegue.


Versão de HMBF.

Rafael Camarasa nasceu em Valência em 1963. Estreou-se em 1987, com o livro Irreverentes goces menores. Além de poesia, publicou contos. Os seus livros mais recentes são Cromos (2007) e El sitio justo (2008). O poema aqui divulgado foi mudado para português a partir da versão original publicada no n.º 2 da revista Sulscrito. O autor publica o weblog Propositos de un Pez.