23.9.08

LIDOS OU RELIDOS EM 2008 (2)

“A MOBILIZAÇÃO INFINITA”, Peter Sloterdijk, Relógio d´Água (2002)



1. Sloterdijk começa por distinguir uma idade pré-moderna, em que as coisas acontecem de maneira diferente do plano que possamos ter, da idade moderna, em que se põe em marcha a “utopia cinética”, resultado de uma vontade de poder que crê poder realizar a Natureza/sonho que há a fazer.

2. Mas logo nos lembra que a criação que se põe em marcha na modernidade produz um movimento que gera alguma coisa que é sempre imprevista. As teorias da acção optimistas da idade moderna dão lugar ao mal-estar pós-moderno, quando percebemos que quem faz história faz sempre algo mais, produz ou acrescenta um (tipo de) movimento que nos arrasta em automatismos, anonimatos, produção de sucessos comerciais e lucrativos.

3. A modernidade - que inclui uma tendência para a motorização, outra para aligeirar as funções do sujeito mais sensíveis, lentas ou orientadas para a verdade, e outra ainda que diz respeito à logística (“apropriação estratégica do alheio”), ao volatilizar as tradições devido à progressiva “mobilização”, suscita uma importância crescente do “renascimento asiático” no Ocidente moderno: o “ser-para-o-movimento” da modernidade descamba num “ser-para-a-auto-aniquiliação”, o que requer uma mudança de sinal ontológico que alerte para um sentido do Ser como “ser-para-a-quietude-no-movimento” do pensamento asiático antigo.

4. E como ultrapassar o turbilhão de imagens em que o mundo se vê enredado, e como ultrapassar a catástrofe (Tchernobyl) e o pânico? Temos, para lidar com a desigualdade e a morte, a Metafísica, que parece ser o lugar da “pedra”, da pureza, porque somente o imóvel nos pode parecer alternativa à tal mobilidade que nos leva em direcção ao fim através da avidez e da violência. E neste ponto a interrogação de Sloterdijk é: Haverá outra alternativa para a fugacidade da vida que não tenha que ir parar à pedra metafísica?

5. Há uma alternativa que está sob o signo da natalidade: a Poiese. Criação, fabricação, acção, poesia. Poiese distingue-se de técnica porque “produz algo, isto é, o leva-em-frente-para-o-aberto, é a assimilação da produtividade natural pelo sujeito humano excêntrico”, enquanto que a “técnica técnica é uma consumpção demolidora (...), uma mobilização agressiva (...), uma procriação de monstros por monstros.”

6. A metáfora (que não é metáfora) da “natalidade” está na base de tudo, porque “o sabor do ser encontra-se (...) naquilo que consegue “existir”, naquilo, portanto, que participa no êxtase do ser-trazido-para-fora.” É assim que a filosofia se transforma aqui numa “ginecologia filosófica.”

7. Slotedijk preocupa-se com a política e a tão falada falta de credibilidade dos políticos. Afasta, no entanto, o que seria uma ingénua defesa dos princípios, revelando um entendimento das formações da consciência como agentes do salvamento do real. Quer dizer, é o mundo em perigo que faz nascer em nós os princípios que o possam salvar do perigo. E os políticos podem deixar de ser maus contemporâneos se se preocuparem com o urgente.

8. Certo é que já não podemos continuar a pretender desenhar a grande história universal e a transcendência. É preciso substituir a auto-realização do espírito (Hegel) pela ecologia, porque o nosso frágil planeta não suporta mais as continuadas agressões. A busca da verdade trouxe sempre o machado que fende. Temos a sensação de que já sabíamos. Fazer é mais difícil.


Rui Costa