20.2.09

A COTOVIA

Parei vindo de Espanha,
no Alto de Leomil,
onde os ventos da raia se entrechocam,
e com os mesmos gestos de sempre
atestei o depósito de gasolina;
a chave, o tampão, a mangueira,
a seiva das florestas mortas
vendida pela British Petroleum
gorgolejava em números;
e ao pé dos camiões TIR,
junto da IP5,
no que sobrou de um campo,
ouvi a cotovia.
Sozinha entre pardais,
não cantava: era um grito de outono,
e gritava e corria,
e os pardais esvoaçavam.
Os gestos repetidos do trabalho
negavam-me esse resto de outro tempo,
e a cotovia foi-se,
e a estrada conduziu-me para longe.




Nuno Dempster nasceu em 1944 na Ilha de São Miguel, Açores. Em 2002 publicou alguns poemas na colectânea Quatro Poetas da Net. Estreou-se em livro recentemente, com um tão surpreendente quanto invulgar livro onde reúne quase 300 páginas da sua poesia inédita em livro. Dispersão – Poesia Reunida foi publicado pelas Edições Sempre-em-Pé em Novembro de 2008. É autor, entre outros, do weblog A Esquerda da Vírgula.